domingo, 20 de setembro de 2015

Meu amor D'arc: Chapter two


O turno da noite

E
la não resolvia falar muito. Meu ódio impedia de pensar. Queria que ela chorasse e gritasse para que eu risse da sua desgraça, mas tudo o que ela fazia era ficar calada no canto da cela. Maldita mulher. Cadê teu choro? Cadê tua súplica? Por quanto tempo mais iria se esconder por trás da sua máscara de paciência?
Como ordenado, não deixei que nenhum homem se aproximasse da cela. Depois de um longo tempo, meu superior avisou que eu dividiria a função com Hartley, um outro jovem combatente que havia se unido à Guarda. Ele, no entanto, assumiria os turnos diurnos, enquanto eu assumiria os noturnos. Por doze horas eu estaria com meus olhos vidrados naquela figura incrivelmente quieta.
Comment tu t’appeles?
Olhei para os lados sem entender de onde vinha aquela voz rouca e misteriosa.­ Percebi que era de Joana. A bruxa tinha mesmo tido a ousadia de falar comigo. Não soube o que responder para ela. Ainda ousava pronunciar o seu francês nojento e carregado de “erres”. Ignorei. Não fui instruído a conversar com ela. Ninguém me disse nada quanto a isso.
‒ Como você se chama, inglês? ‒ Finalmente em meu idioma. Não tive como fingir que não era comigo.
‒ Wilbor Edengard. Meu nome é mais forte do que a sua magia, bruxa. Eu não tenho medo do que você possa me fazer. Sobrevivi à fúria de homens. Não há nada que você possa me fazer de mal. É só uma mulher. Uma bruxa maldita! ‒ Vociferei.
Joana riu e moveu-se dentro da cela. Ela não parecia tão forte, por detrás das grades. Gargalhava como se eu tivesse dito algo bizarro. Quando seu rosto se virou na minha direção, ela me analisou de cima a baixo e eu pude ver seus olhos. Havia algo de diferente neles. Diferente dos olhares que eu via nas outras mulheres. Diferente também dos homens que guerreavam. Ela devia mesmo ser uma bruxa. Nenhuma pessoa normal teria olhos como aqueles.
‒ Você, Wilbor, é podre. Como todos os homens, você não pode aceitar que uma mulher defenda o seu país. É claro que eu sou uma bruxa. Se ser uma bruxa é ser independente do poder dos homens, considere-me A Bruxa. Eu não sou uma mulherzinha que você casa para fazer sua comida.
‒ Se todas as mulheres da França são assim, agora eu entendo por que seus homens resolveram fazer a guerra.
‒ Meus homens fazem guerra porque acreditam em um mesmo ideal. Por isso a França está vencendo. Nós temos uma razão para entrar nessa guerra. Mas você tem razão. Se todas as mulheres da França fossem como eu, já teríamos vencido essa guerra há muito tempo.
Não respondi. Não valia a pena se humilhar tanto assim. As palavras dela eram inúteis. É muito fácil querer parecer corajoso, estando atrás das grades. O destino dela estava selado. Seria morta quando o rei ordenasse sua execução. Com sorte, seria eu a levá-la para a fogueira, para queimar junto com suas heresias. Mantive a minha guarda. Por um momento, percebi que nunca tinha montado guarda na vida. Minha primeira experiência como soldado da Guarda Real era proteger a prisioneira mais vigiada. Havia algo de estranho com essa promoção imediata.
Joana D’arc não parecia muito diferente de uma mulher comum. Tirando aquele olhar diferente que tinha, suas mãos e seu corpo eram no geral como o de uma mulher. Se eu não soubesse que ela matou ingleses, talvez eu a achasse bonita. Olhar para ela era um jogo de resistência. Era muito difícil desviar atenção do seu rosto, mas, por outro lado, era revoltante demais fixá-lo.
‒ Você deve ser novo na Guarda. ‒ Ela disse, se pondo de pé.
‒ De onde você tirou isso?
‒ Eu encontrei com a Guarda Real da Inglaterra uma vez. Consegui despistá-los. Contudo, eu sei que nenhum membro da Guarda iria aguentar ficar tanto tempo calado depois de ter me encontrado.
‒ O que foi de tão horripilante que você fez a eles?
‒ Eles é que me fizeram algo terrível, Wilbor. Eu estava tomando banho no rio quando me encontraram.
‒ Na certa viram sua pele de dragão. ‒ Eu ri. ‒ Devem ter saído correndo.
‒ Você insiste que eu seja uma bruxa não é? Sou tão diferente de uma mulher inglesa assim?
Eu tive que olhar para ela. Joana se aproximou e parou a uma distância segura. No todo, parecia estar trajando apenas um corpete. Eu nunca tinha visto uma mulher com tão poucas roupas. Pelo menos não uma mulher de respeito. Joana D’arc com certeza não era uma mulher de respeito. O modo como se vestia, como duelava... Tudo indicava isso. Ela não era respeitável.
‒ Uma mulher inglesa não se despiria de tal forma.
‒ Como quer que eu batalhe com um vestido com cauda e todo o resto? Eu não seria A Joana D’arc se me vestisse como uma mulher de burguês. ‒ Disse a mulher com toda a pompa que nunca parecia sumir.
‒ Tem também seus olhos...
‒ O que tem com eles?
‒ Algo diferente. Nunca vi no olhar de nenhuma outra mulher. Eu não sei como explicar. É algo forte.
‒ Será que o inglesinho está se apaixonando?
‒ Por você, bruxa? Jamais me apaixonaria por uma bruxa. Você é uma herege e só. Nenhum homem amaria você.
‒ Ora, verdade? Então me beije.
‒ Como? Quer que eu te beije?
‒ Exatamente. Se você não tem medo de mim? Que mal faria um beijo? Considere esse o último pedido de uma combatente.
Aproximei-me das grades com certo temor. Eu nunca mantinha guarda, não sabia se haveria alguma restrição quanto a beijar prisioneiras. Mas também, devido ao grande número de homens que viviam presos, acredito que não seria necessária uma lei para tal. É algo que ninguém sonha em fazer.
Parte de mim estava tentada a dizer não, mas outra parte queria conhecer essa sensação. Então avancei alguns passos e, enfim, eu beijei Joana D’arc.

Chapter one                                                                                                             Chapter three (26/09)


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