sábado, 19 de setembro de 2015

Meu amor D'arc: Chapter one


Dias de guerra

O
s dias passavam estranhos desde a última vez que estivemos em campo. Muitas baixas. Muita morte. Nem ao menos os combatentes mais experientes puderam sobreviver ao último massacre. A França esmigalhou nossas defesas. Temíamos que a guerra pudesse ter sido perdida.
Andava com meu batalhão pelas margens do rio Tâmisa, sem saber que notícias receberíamos quando alcançássemos o palácio. Todos estavam exaustos. Mais pelo desgaste emocional do que pelo físico. A maioria de nós era muito jovem. Recrutado cedo para defendera Inglaterra contra o exército francês. Eu mesmo nunca tinha me imaginado brandindo uma espada ou furando um homem com ela, mas na guerra, temos que fazer o que é necessário. E muitas vezes é necessário abrir mão da nossa imaginação.
Quando marchamos para a França, muitos tremiam, choravam e ainda preservavam a noção de que haveria um acordo pacífico que poria fim a guerra. Eu mesmo era só um menino ingênuo. Filho de sapateiro, sabia como costurar uma botina ou como tratar o couro de um bovino. Imaginava o dia que eu me casaria com Emily Donway e juntaria o comércio da minha família com a produção de animais dela. Teríamos couro de graça e baratearia o custo da produção. Hoje, os poucos que retornam da guerra já não sonham mais com nada. Talvez uma comida decente, ou em reencontrar um amor. Contudo, para mim, já não contenta mais a pecuária dos Donway.
A primeira vida que tirei em campo foi de um menino, não mais do que 13 anos. Foi ele quem me atacou. Do contrário nem o teria visto. Ele podia ter fugido do campo de batalha que ninguém daria conta. Os franceses duelavam como se tivessem um propósito por trás daquilo. Cada homem que se unia contra nós tinha uma voracidade que eu não vi nos olhos de nenhum inglês. Fui ferido no primeiro minuto. Um corte na perna. Foi quando percebi o garoto. Tentei lhe dizer que parasse. Eu não queria matá-lo, eu disse. Porém a criança berrava um francês maldito que eu não conseguia entender. Dei-lhe um empurrão. Um cavalo passou por cima. Ele estava muito machucado.
Olhei com atenção para a criança. A guerra parecia me ignorar. Notei os outros franceses e pensei, não há como salvar esta criança. Nenhum homem virá ao seu socorro. Então eu decidi que era a coisa certa a fazer. Um corte na sua garganta faria a dor passar mais rápido, mas uma espetada no peito faria ela acabar de vez. E acabou. Foi quando eu entendi a guerra. Vendo todos aqueles homens, eu percebi que cada francês que eu poupasse era um inglês que poderia morrer. Eu tinha que matar para que mais do meu povo pudesse retornar para suas casas.
Meu esforço não foi tão suficiente. De volta para casa, sentia raiva de cada francês que eu não matei. Raiva de cada um deles que ainda respirava em liberdade. Enquanto o meu povo sofria com a derrota. Não estava interessado em defender a Coroa. Muito menos em casar com Emily Donway. O mais importante seria preservar a minha vida e a de todos que lutavam ao meu lado. Na volta para casa, percebi que eu queria ser um soldado.
A chegada ao palácio nos rendeu uma salva de palmas. Gritos de uma multidão inglesa que sabia reconhecer o valor do seu povo. Um povo que lutou para que cada um deles pudesse viver. Não recebi as palmas com alegria. Imagino que se mais ingleses estivessem vivos, seríamos merecedores destas honras. Notei mais três batalhões que haviam chegado antes de nós. Seus homens pareciam realmente felizes em saber que mais alguns de nós havia deixado a guerra com vida.
Quando perguntados quem gostaria de se juntar a Guarda Real, muitos dos meus compatriotas declinaram a honraria. A maioria, jovem como eu, queria retornar para a calmaria da rotina e viver os seus dias como sempre foram planejados. Marcar casamentos comerciais e trabalhar para seu sustento. Junto comigo, mais seis do meu batalhão aceitaram integrar a Guarda. Tínhamos 24 horas para retornar para casa, rever os familiares e retornar para o palácio.
Não me demorei muito em casa. Expliquei para meu pai que tinha recebido o convite para trabalhar no palácio e ele se orgulhou muito. Meu irmão mais novo poderia se casar com a mais nova dos Hadlemore, já que Emily Donway parecia ter se envolvido com o filho de um burguês que fugiu da guerra, não era mais interessante ter o nosso nome associado ao deles. Minha mãe fez o drama de sempre, mas entendeu que era uma escolha para o bem da nossa família. O prestígio de trabalhar na Guarda Real iria honrar o nosso nome por algumas gerações. Eu era um sobrevivente de guerra e isso não seria esquecido de forma alguma.
‒ Quando você volta, meu pequeno? ‒ Ela perguntou com os olhos cheios de lágrimas.
‒ Não sei mãe. Talvez um dia eu volte para casa. Por enquanto vou morar com meu batalhão.
‒ E como se casará?
‒ Tenho certeza de que posso fazer um bom casamento, mas o mais importante é a defesa das nossas terras. E isso eu tenho por garantido.
Retornei para o palácio antes do prazo limite. Queria chegar antes para demonstrar meu compromisso para com a Coroa. Assim que cheguei, notei algo que chamou minha atenção. Uma mulher, talvez da minha idade, sendo levada por guardas da forma mais brutal que se pode imaginar. Multidões gritavam palavras de ofensa então pensei que só poderia se tratar de uma pessoa. A mulher mais odiada da Inglaterra. Uma francesa. Joana D’Arc.
Reportei-me ao meu superior e ele me agraciou com a notícia que eu queria ouvir. Eu seria encarregado da vigia da bruxa francesa. Não poderia permitir que nenhum homem se aproximasse dela e deveria guardar o turno completo. Só poderia desmontar guarda caso ele mesmo, em pessoa, me dissesse para fazê-lo. Joana D’Arc era minha responsabilidade até o dia em que ela queimasse na fogueira, se Deus quisesse.




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