(Dona da Lanchonete que a vítima frequentava)
Naquele dia, eu acordei mais cedo, para visitar minha mãe no hospital. Desde sua internação eu tenho ficado responsável pela lanchonete da nossa família. Normalmente, eu acordaria às sete e abriria o negócio às sete e quarenta.
Angelica sempre era uma das primeiras a chegar. Ela me ajudava a arrumar as mesas e o balcão. Por isso fiquei surpresa quando ela não apareceu às oito. Era raro ela se atrasar. Mas, como o trânsito estava pior que o normal, não me preocupei.
‒ Quando foi a última vez que viu Angelica? ‒ A detetive me perguntou e eu pisquei forte, ainda em choque. Eu não podia acreditar que isso havia acontecido.
‒ Na hora do término do expediente dela. ‒ Limpei a garganta e tentei lembrar de mais detalhes. ‒ Ela foi embora de taxi. Acho que estava sozinha, mas não tenho total certeza.
Eu havia conversado com ela há poucas horas e agora lá estava ela, aberta em uma mesa metálica, em uma sala com vários outros corpos. Estremeço com o pensamento e aperto o suéter em volta do corpo. Minha cabeça está girando e parece que eu vou desmaiar a qualquer momento.
‒ Alice? ‒ A detetive estalou os dedos na frente do meu rosto, me "acordando" de meus devaneios. ‒ Está muito frio? Você quer algo? Eu sei como é difícil ficar em uma sala de interrogatório.
‒ Não, a temperatura está boa. ‒ Respondo, séria. ‒ Aliás, eu aceito um chocolate quente. Com canela, se não for pedir muito.
Ela sorri e acena para o vidro espelhado. Um homem alto, de camisa social entra, alguns minutos depois, com um copo térmico, grande, cheio de chocolate.
‒ Obrigada. ‒digo para ninguém em especial. Eu só quero sair dali e voltar pro meu canto. A detetive se inclina sobre a mesa e volta a fazer perguntas.
‒ Quando você falou com a Angelica pela última vez, ‒ ela começou, devagar. ‒ notou algo de diferente no comportamento ou aparência dela?
‒ Sim. Durante o almoço, ela ficou olhando pela janela, apreensiva. Ela ficava olhando para o outro lado da rua. Quando ela veio pagar, eu perguntei se estava tudo bem. Ela disse que achava que um homem estava perseguindo-a. Ela apontou para a portaria de um edifício, mas eu não vi o tal homem. ‒ Oh, meu Deus! Será que foi ele?
‒ Ela não o descreveu? ‒ A detetive perguntou, fazendo anotações. Uma ruga se formava em sua testa.
‒ Não. ‒ Balancei a cabeça, tentando lembrar de algum detalhe.
‒ Você acha que alguém teria motivos para matá-la? ‒ Ela agora me encara e tenho certeza de que quer analisar minha reação. Eu já assisti seriados e filmes policiais o suficiente para saber como não me enforcar em um interrogatório desses.
‒ Não. Ela era simpática, bonita e inteligente. Por isso, atraia muitas pessoas... Talvez possa ter sido alguém com ciúmes dela... Mas ninguém vem à minha cabeça. ‒ Eu memorizava os detalhes das respostas, pois, para cada vez que ela perguntasse a mesma coisa, a resposta deveria ser a mesma. Caso contrário, o que eu falei não seria verdade. A detetive fez mais anotações.
Lembro quando Angelica saiu, voltando para o trabalho. Vi um homem indo na mesma direção. Mas quais seriam as chances de, logo ele, ser seu possível assassino.
‒ Uma última pergunta, Alice. ‒ A detetive pousou a ponta da caneta exatamente no centro do bloco de notas, o que me distraiu. ‒ Como ela era? Angelica, digo. Como você a descreveria?
‒Ah... ‒ Tentei lembrar da minha resposta, mas a forma como ela havia equilibrado a caneta esferográfica com apenas um dedo me distraiu completamente. Droga! ‒ Ela era legal com todo mundo. Ficava sempre em uma mesa afastada, lendo ou ouvindo música. Era o tipo de garota que atrai toda a atenção pra si mesma, ofuscando as outras. Ela era bem inteligente também. Às vezes, quando tínhamos poucas pessoas na lanchonete, ela ficava conversando comigo durante alguns minutos. ‒ Tomei mais um gole do meu chocolate, agora frio. ‒ Era invejável o fato de ela fazer tudo parecer mais fácil. ‒ Falei com certa raiva e percebi meu erro quando a detetive anotou uma palavra de nove letras e sublinhá-la duas vezes. INVEJÁVEL. Engoli o resto do chocolate com dificuldade.
‒ Daqui a alguns minutos você deve ser liberada. ‒ ela se levanta e, antes de fechar a porta, se vira para mim. ‒ Isso se não for a culpada.
Ela sorriu e me deixou sozinha naquela sala, congelante, encarando meu reflexo pálido e assustado no vidro espelhado.
Como um flash, me lembrei de escutar Angelica falando rispidamente ao telefone. Ela estava brigando com alguém? Ou melhor, com quem?
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