sábado, 26 de setembro de 2015

Meu amor D'arc: Chapter three


Eu amo uma bruxa

V
oltei para cobrir meu turno. Tinha tentado dormir durante a tarde, mas minha cabeça continuava voltando para o beijo. Pensei em ir ao padre, me confessar. Como eu poderia ir a igreja e dizer que tinha beijado aquela herege? Na certa, eu seria executado junto com ela em meio a uma fogueira ardente. Assim, que cheguei para cobrir o turno da noite, Hartley me perguntou se ela tinha me dito alguma coisa na noite anterior. Eu tremi, mas disse que não. Ao que parecia, ela tinha assumido a postura muda diante dele. Ao menos não tinha dito nada sobre o nosso beijo. Eu ainda estaria a salvo.
Por alguns minutos, senti o mesmo silêncio atrás de mim. Eu esperava que ela fosse dizer alguma coisa, fazer algum comentário, pedir outro beijo. Não. Ela não disse nada. “Oi, Wilbor, como foi a tarde de folga?” Não. Ela não queria saber de mim. Se era para ser assim, eu também não perguntaria nada. Ficaria quieto esperando que ela me chamasse. Bem quieto. Nenhuma palavra seria dita por mim.
‒ Como passou a tarde? ‒ Perguntei, não cabendo em mim.
‒ Passei bem. Tão bem quanto se pode passar aprisionada. ‒ Respondeu ela amargurada.
O que havia acontecido com a mulher que me beijou na noite anterior? Teria ela sucumbido a bruxa herege? Onde estava escondida a Joana que eu queria encontrar? Fiquei calado. Não valia a pena ficar tentando puxar assunto com uma bruxa que seria morta logo. Eu não podia deixar que ela tivesse poder sobre mim. Se ela quisesse falar comigo, ela falaria e se eu respondesse, seria por pura piedade.
Nunca imaginei que montar guarda pudesse ser tão entediante. Não podia ficar sentado, devia manter-me de pé indefinidamente. Sem ninguém para falar, sem nada para fazer. Tentei recordar dos meus momentos na guerra. Imaginei se já teria cruzado espadas com Joana D’arc. Porém tudo o que eu conseguia lembrar era do beijo. Bolei mentalmente uma lista de motivos para uma mulher beijar um homem. (1) ela estava apaixonada por mim; (2) ela queria lançar algum feitiço sobre mim; (3) ela queria saber como um inglês beija; (4) ela queria alcançar a chave da porta.
Considerando que ela ainda está presa, nenhuma das alternativas que envolveria a fuga dela está correta. Logo, ou ela está apaixonada por mim ou ela queria saber como um inglês beija. Mas e eu? Eu estava apaixonado por ela? Eu nunca tinha conhecido alguém que mexesse comigo da forma como ela mexia. Tirou meu sono, me deixou acordado por uma tarde inteira. Enquanto eu poderia estar dormindo, já que trabalho à noite.
‒ Em que você está pensando? ‒ Perguntou Joana, resolvendo finalmente falar.
‒ Em nada especial. E você? ‒ Perguntei em resposta.
‒ Será que existe alguma possibilidade de eu sair daqui sem ser morta?
‒ Sinceramente, acho muito difícil. Toda a Inglaterra acha que você é uma herege. Dificilmente vão deixar que uma bruxa saia por aí, espalhando suas ideias.
‒ Você ainda pensa que eu sou uma bruxa?
Parei para pensar. Minha função, minha religião e minha família diriam que eu tenho que achar que ela é uma bruxa. Contudo, eu não conseguia mais enxergá-la desta forma. Não podia aceitar que aquela mulher fosse na verdade uma bruxa com pele de crocodilo. Nada do que se dizia sobre ela fazia sentido. Como eu poderia aceitar de bom grado todas as mentiras que o mundo vendia?
‒ Eu não acho que seja uma bruxa, Joana. Acho que é a mulher mais inacreditável que eu já encontrei. Se eu fosse escolher uma mulher para casar, seria você.  ‒ Eu disse, sinceramente.
‒ Você sabe que eu nunca seria a dona de casa que todo mundo espera, não sabe?
‒ Por isso mesmo. Qual a graça que existe nessas mulheres, todas iguais? Eu também não sou um burguês comum. Não quero viver a vida para levar o negócio da família adiante. Quero lutar por ideais.
‒ Talvez funcionasse bem, eu e você juntos.
No momento em que ela me olhou nos olhos, perdi a compostura. Larguei as armas no chão, abri a cela e corri para dentro. Ela se levantou assustada. Joguei o molho de chaves no chão e a beijei. Ficamos naquele beijo por um longo tempo. Foi o momento mais definitivo da minha vida. Percebi a vida que eu queria ter ao lado de Joana D’arc, percebi o legado moral que eu queria deixar para nossos filhos, seja na França ou na Inglaterra.
De perto, minhas mãos dançavam no seu corpo e pude perceber que era uma mulher comum. De fato, não havia pele de crocodilo. Sua fisionomia era deveras inacreditável, diferente de qualquer outra mulher, mas não havia nada de anormal. Nada que justificasse olhares assustados. Os únicos olhares que aquele corpo merecia eram os de devoção. Devoção a uma mulher que é linda e tem personalidade, uma joia rara francesa, que eu tinha agora em meus braços.
Depois de algum tempo de beijos carícias, sai da cela, sozinho e ela ficou, sem tentar em nenhum momento fugir. Tive pena da sua situação. Tive medo de que fosse a última vez que eu provava dos seus beijos. Tive medo. Medo de vê-la queimando em uma fogueira. Medo de querer queimar junto ao seu corpo. Não. Eu não poderia suportar vê-la morta em brasas. Olhei mais uma vez para o seu rosto e fiquei alguns minutos em silêncio, pensando meus pensamentos em total quietude.
‒ Joana. ­‒ Eu a chamei. Ela olhou para mim, com a sua cara de tédio e eu continuei. ‒ Você aceita se casar comigo?
‒ Claro que aceito, Wilbor. Mas receio que nosso casamento não irá durar muito. E também duvido que um clérigo inglês queira nos unir em matrimônio.

‒ A gente não precisa de clero nenhum. Eu vou te ajudar a fugir. Amanhã, quando eu vier para o meu turno, eu te ajudo a sair daqui. Podemos ir para Paris e construir uma vida em conjunto. Lutar pelo mundo que queremos. O que me diz?

Chapter two                                                                                                             Chapter four (27/09)


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