sábado, 12 de março de 2016

E nem chegou ainda

Como uma bomba no mar
Explode mil pedaços no ar

Mil candidatos
E os candidatos?
Que os candidatos se explodam em mais um ano de tortura e muito mau

E nem cheguei a comentar
a tal tristeza pelo ar
que corre solta e nem volta a gritar

Seja bem-vindo meu amigo
ao belo inferno, meu abrigo,
onde me escondo das obrigações

Eu bem sabia a esta hora
que chegaria sem demora
a grande prova lá da nossa capital

E chora mesmo
E chora mesmo
Agora chora, meu amigo... não desista não!

Sangue a mil
eu não consigo nem pensar
Só no funil e na corrida pra ganhar (é pra ganhar)

Eu muito esperto conversei com o Roberto
na carteira do meu lado,
muito perto de colar

Mas fui caçado pela porra do fiscal
que olhou pra mim
e eu calado decidi ignorar

Como o fiscal não era burro ou brasileiro
muito menos meu parceiro
o jeito era me entregar

Foi dessa vez que eu me vi encurralado,
sem ninguém do Nosso lado,
sem dinheiro nem agrado
sem jeitinho brasileiro

 

sexta-feira, 11 de março de 2016

O seu lugar é junto a mim

Acho que é difícil falar dessas coisas agora. Já contei para uma amiga, então isso significa que é real. Tento me convencer todos os dias que a coisa certa é esquecer você, mas existe essa voz na minha cabeça que me faz acreditar que tenho uma chance. Acho que já começamos errado. Começamos com a certeza de que poderíamos ficar juntos e isso só colocou mais pressão em cima de tudo. Como se não bastasse, o mundo inteiro resolveu dar um palpite, dizer que devemos ficar juntos. Dizendo que o seu lugar é ao meu lado.

O que eu posso fazer? Sei que quando eu te encontrar de novo você estará feliz, talvez junto a alguém que seja o extremo oposto do que eu sou. Alguém que não vai entender as suas brincadeiras, que vai achar estranho você gostar tanto de ficar em casa. Alguém que não vai saber quem é George Lucas e vai achar que você é uma psicopata quando disser que ele é o “seu precioso”. Você vai pedir para ir ver um Tarantino e ele vai dizer que já comeu italiano na semana passada. É isso o que você quer?

Por que você não consegue enxergar que eu entendo você? Que eu gosto de você e das coisas que você gosta. Por que é tão difícil perceber o que o mundo inteiro já sabe e eu demorei para admitir? O seu lugar é do meu lado, assim como o meu é ao seu. Por mais que eu seja lento em perceber a realidade. Por mais que quando eu me sente do seu lado eu fale de Capitães da Areia ao invés de te tomar em meus braços. O que falta para a gente sair só nós dois? Estar sozinhos e eu poder finalmente fazer o que já devia ter feito desde o primeiro dia. Desde que escolhi atender uma chamada ao invés de dar o nosso primeiro beijo. Não foi de propósito.

O que vai ser preciso para a gente se beijar? Eu vou precisar destruir uma Horcrux na Câmara Secreta? Vou precisar salvar a gente de um Destróier? Talvez se eu salvar você, em minha armadura de ferro, de um maluco de chicote? Por que eu me sinto como se tivesse congelado no tempo? Por que eu sinto que você vai pegar o primeiro caminho para fora da minha vida?

Eu me lembro de tantas coisas que passamos. Lembro da sua banda favorita. Lembro do ator que você gosta de ver. Lembro do time para o qual você quase torce. Lembro dos seus sonhos para o futuro e tenho quase certeza que se encaixam bem no meu. Lembro das cidades em que você moraria, que eu sei que são iguais as minhas. Lembro do que te faz rir. Lembro de ver você chorar e querer correr para o seu lado. Eu tive medo de não ser a hora. Eu tive medo sempre que estive ao seu lado. Medo porque eu sabia que você teria que ir embora.


Você tem um sorriso que ilumina uma cidade inteira, eu sinto falta de vê-lo. Não sei se você percebeu mas eu estou sempre sorrindo do seu lado. E você sempre sorri do meu. O que falta para você perceber que o seu lugar é comigo? O que falta acontecer em nossas vidas para que elas se entrelacem de uma vez? Você está comigo o tempo todo. Nos meus sonhos, na minha imaginação... Eu demorei a perceber o óbvio. Por favor, não demore. Seu lugar é junto a mim.


quinta-feira, 10 de março de 2016

O desejo intrínseco da humanidade investido contra o desespero

“E saiu outro, um cavalo vermelho; e ao que estava sentado nele foi concedido tirar da terra a paz, para que se matassem uns aos outros; e foi-lhe dada uma grande espada.” Este só poderia ser eu. Vi no espelho minha paz refletida e dela fiz a razão para eu agir.  O espelho refletia em um gume a paz que todos almejavam. Mas ninguém almeja a paz, não é verdade? A ordem, a razão a calma. Ninguém nunca pediu por quietude. Para isto existe o outro gume. Para ceifar da existência a calmaria e o pacifismo. Os homens tiveram a sua chance e falharam. Eis que então eu surjo para minar de vez com os padrões sociais.

Repare na criança de rosto angelical. Repare como ela não consegue se manter quieta. Sempre agitando de um lado para o outro sem parar um instante. Entra então a mãe gritando e gemendo, vociferando palavras de calma, mas com a guerra estampada no teu rosto. Seus olhos cheios de fúria demonstram que ela não quer a paz. Ninguém quer paz. Ser pacífico neste mundo é uma sina terrível. Os seres humanos lutaram pela força? Quiseram ser mais fortes? Quiseram se tornar deuses? Pois bem. Que estejam prontos para a guerra. Que estejam preparados para provar a sua força perante o mais cruel e sanguinário dos cavalheiros.

Tudo é muito diferente da minha época. Eu não reconheço mais nada nessa terra. O mundo no qual eu nasci é apenas uma relíquia perdida na minha mente. Eu achei que me lembraria de algo, mas a verdade é que tudo parece tão desorganizado que só me resta bagunçar um pouco mais. Uma senhora implora pela minha misericórdia. Ela deve pensar que sou algum tipo de divindade. Não está errada. Cada herói de guerra já se sentiu maior que Deus por um dia. Eu vivo a guerra dentro de mim. Eu sou Deus em cada canto da minha personalidade. Eu olho nos olhos da idosa e lhe peço que implore pelo que ela quer de verdade. E a velha só consegue me dizer que quer viver. Então que assim seja. Ela pediu pela vida e é vida que ela terá. A guerra só termina com a morte. Enquanto houver uma vida no campo de batalha, a guerra não terá terminado.


É muito fácil trazer a destruição. Os seres humanos já se destroem por si mesmos. Basta que um lampejo de destruição se acenda e eles se matam. Trazer a guerra é das tarefas mais primordiais. Basta lhes mostrar um pouco de pólvora e deixar que eles se divirtam com as explosões. Prezando pela ordem, criaram suas armas de fogo. Não. As explosões da guerra são apenas um espetáculo pirotécnico. A guerra de verdade se faz com espadas. A espada ensanguentada é o símbolo do poder. É quando o homem se sente Deus e resolve tirar mais vidas. Até perceber que existe um outro Deus que irá lhe tirar a vida. Sem ordem. Um caos desordenado de mortes, uma seguida da outra. Não há como saber quem será morto, mas eu deveria garantir que a guerra iria durar para sempre. Sou eu quem deve ser o Deus da última guerra. Desci para ceifar um deus de cada vez, sem distinção, sem piedade. A morte já cumpriu o seu papel, espalhou o terror para que eu pudesse levar a guerra. Sem ordem e sem esperança, basta esperar que os homens percebam que não são Deus. Seu Deus não atenderá por vós. Esta noite, a Guerra é a lei.


quarta-feira, 9 de março de 2016

A última poesia para Cecília

O jovem Rafael terminava o seu mais recente poema, mais uma calorosa declaração de amor para sua amada Cecília. Já tinha se tornado um rito mostrar para ela as tão sinceras palavras que escrevia no final da tarde. Por mais que ela nunca tivesse recebido a confirmação de que ela era o amor escrito nas declarações, ela esperava pelo dia em que ele teria a coragem de lhe dizer que a amava. Os dois corações viviam uma história de declarações subentendidas, mas eram românticos demais para se declararem um para o outro.

Certo dia, Cecília leu o texto que Rafael escreveu. Ficou encantada e emocionada, então chorou. Chorou porque se percebeu apaixonada, e porque soube, naquele mesmo momento, que, se aquelas palavras não tivessem sido escritas para ela, estaria para sempre condenada a viver uma solidão amargurada, uma tristeza maldita que nunca iria embora. Quando Rafael viu suas palavras cortarem o coração da garota que tanto amava. Sentiu um imenso remorso por suas palavras destruírem a felicidade de quem mais lhe importava.

No dia seguinte, não houve mais poesia. Rafael jurou pra si mesmo não mostrar mais um verso sequer. Nem ao menos um haicai improvisado, nem uma rima, nenhum soneto. Se suas palavras machucavam aquela que mais importava. Agora, ele não machucaria ninguém. Cecília esperou ansiosa, e quando viu que Rafael não viria, sentiu-se triste e amargurada. Talvez aquelas poesias não lhe pertencessem. Talvez tivesse imaginado aquele amor porque lhe convinha imaginar.


E foi então que, por falta de coragem, os dois destruíram o que poderia ser um belo amor. Rafael foi viver uma vida sem alguém para ler suar poesias e Cecília sem alguém para escrevê-las. Quando pensarem em tudo o que se foi, ele provavelmente chegará à conclusão de que estava certo em deixar que ela partisse. Ela também não o culparia por nunca ter amado-a e acreditarão com todas as suas forças que foram felizes para sempre.


terça-feira, 8 de março de 2016

Strawberry Fields Forever

Era mais fácil viver quando eu não sabia quem você era.
Quando você não passava de um nome.
Então você ganhou um rosto,
Uma face que não consegue se desprender da minha mente.
Procuro agora um lugar calmo e longe de você.
Viver é mais fácil, quando estou de olhos fechados.
Estarei partindo para um lugar longínquo, em que sei que você não estará.
Vou viver em um campo sossegado e com cheiro de morango.
Um campo onde você não possa me encontrar e não possa alimentar o que eu sinto.
Somos tão parecidos, eu e você.
Tanto que, às vezes, me lembro de você quando falo sozinho.
E, se não posso nem mais lembrar de mim sem me lembrar de você,
É porque já não há quase nada em mim que não esteja apaixonado por ti.
Quando você vem falar comigo, e eu fico cheio de alegria e esperança,
Eu tenho total certeza de que estou delirando.
Você sabe que eu sei quando é um sonho.
E quando nos meus sonhos, eu te encontro, eu sei que o amor é tudo do que preciso.
Sei que lá vem o sol e que com ele, uma nova chance de conquistar o seu amor.
Não dá mais para mim.
Não consigo viver nesse mundo em que pode ser que você me ame, ou pode ser que não.
Esse mundo é fantástico de menos para mim.
Talvez eu seja mesmo um daqueles tolos que acredita em amor.
Mas você já deixou bem claro que você não é.
E, bem, se não podemos viver juntos neste mundo.
Estou indo para Strawberry Fields.

Vou para Strawberry Fields para sempre.


segunda-feira, 7 de março de 2016

O garoto da sorveteria

 
Annie tagarelava, enquanto o garoto ruivo e sardento me entregava o pote de sorvete. Por um segundo, ele me encarou, como quem pedia ajuda, mas, lerda do jeito que sou, não dei importância.
   ‒ Obrigada. ‒ Sorri para o garoto, que, como dizia seu crachá, se chamava Andrew.
   ‒ Então, descobri que ele é geminiano, com ascendente em Virgem... ‒ Annie continuava a falar sobre o tal vizinho e sobre signos do zodíaco. Ela vivia insistindo para fazer um tal de mapa meu e, desde que eu deixei, ela não para de falar sobre isso ‒ como se eu entendesse uma vírgula. ‒ Bonnie! ‒ Ela estalou os dedos na frente dos meus olhos, para chamar minha atenção, mas quase me fez ser atropelada por um ciclista.
   ‒ O que é, Annie?
   ‒ Sabe o que isso significa? ‒ Fiz que não, com a cabeça. Mesmo sem saber o que "isso" era. ‒ Significa que vocês são perfeitos um pro outro! ‒ Ela tinha um sorriso gigantesco no rosto, mas demorei alguns segundos para raciocinar o que ela havia dito.
   ‒ O QUÊ?! ‒ Praticamente virei o pote de sorvete no jaleco dela. O sinal abriu e as pessoas que passavam por nós me encaravam, carrancudos.
   ‒ Ele é geminiano. Você é virginiana. Com ascendente em Gêmeos. ‒ Ela usava aquela voz de professora do Jardim. ‒ São perfeitos!
    ‒ Olha só, Annie, eu sei que você tá querendo dar uma de Cupido, agora que o Jeff terminou o noivado, mas eu nem conheço esse... ‒ Parei. Ela havia me deixado falando sozinha. Ela seguiu para a clínica onde trabalhava, e eu fui para o estágio, na rádio local.
   ‒  Fala, garota! ‒ Maxxie me cumprimentou, quando entrei em sua sala. ‒ Hum, me dá um pouco? ‒ Ele sorriu, quando viu que o pote estava a meio caminho de sua mão. Previsível.
   ‒ Onde estão Edward,Lynn e Kara? ‒ Pergunto me apoiando em sua mesa. De uma de suas janelas, posso observara sorveteria, mas estamos alto demais para que eu possa ver o rosto do garoto ruivo. ‒ Andrew. ‒ Sussurro.
   ‒ Elas foram até o shopping. Parece que Kara tem um casamento semana que vem. ‒ Assenti e me virei para sair da sala, pensativa. ‒ Bonnie?
   ‒ Hum? ‒ Me viro para Maxxie. Posso sentir seus olhos sobre minha mais nova tatuagem: um avião, com sua rota traçada por uma imagem do globo, com um asterisco em cada lugar que já visitei. Por enquanto, só havia um: Interlaken, Suiça. Onde meu pai vivia.
   ‒ Quando vai colocar mais asteriscos aí? ‒ Sorrio com sua pergunta. Ele sempre fora curioso em relação às minhas tatuagens.
   ‒ No próximo feriado. ‒ Passo os dedos pela costa oeste da América do Norte. ‒ Califórnia. ‒ Maxxie sorri e eu saio da sala, observando os riscos de esmalte preto que ainda estão em minhas unhas.
   Só quando entro na minha sala, percebo que deixei um pote cheio de sorvete com ele. Chuto a parede que nos separa e escuto sua risada. Me sento em minha cadeira e volto a observar a sorveteria,  sem sucesso.  Ainda me recuperando do almoço, começo meu trabalho, organizando playlists, planilhas e outras coisas.
   Pouco depois, Ed, Lynn e Kara, chegaram e eles decidiram sair para beber, ao fim do expediente. Eu não ia. Não bebia nada além de sucos e água.
   ‒ Nunca mais saio para fazer compras com essas duas! ‒ Edward reclamava no elevador. Ele havia insistido em me levar em casa, já que era caminho da dele. O que era mentira, mas, como minha carona usual (Annie, minha vizinha) pegou o plantão da noite, eu não poderia reclamar muito. ‒ Ai, droga! Esqueci minha carteira.
   ‒ Eu espero aqui. ‒ Depois que ele voltou para dentro do prédio, me encostei no carro. O estacionamento, que dava para um beco, estava vazio. Fomos os últimos a sair do escritório e, as poucas pessoas de outros andares, não vieram de carro ou eles estavam em outro lugar.
   Escutei um barulho vindo do beco e me aproximei. Esse é o momento que o telespectador pensa: "todo mundo sabe que (em filmes de terror), quando se ouve um barulho vindo do escuro, você corre pra longe". Mas, 1) isso não era um filme de terror, era só minha vida mesmo, e 2) eu era uma pessoa extremamente curiosa.
   De repente, um grito. Depois um gato voando. Sim, um gato voou.
   ‒ Droga! ‒ Ouvi a voz de um menino, mas não me mexi. Quando ele surgiu na poça de luz do poste mais próximo, dei um grito. O qual ele respondeu da mesma forma.
   ‒ Seu idiota! ‒ Gritei, de novo. Mas, então, vi que ele tinha cabelos ruivos e sardas. ‒ Andrew...
   ‒ Como sabe meu nome? ‒ Ele ainda estava agitado, por causa do susto.
   ‒ Eu... Ahm... ‒ Pisquei algumas vezes, enquanto tentava lembrar o que eu estava falando. Acontece que um garoto com cabelos ruivos e cacheados e TODO tatuado estava à minha frente. ‒ Eu vi no crachá, hoje mais cedo.
   ‒ Ah sim. ‒ Ele ficou me encarando por um tempo, e tive certeza de ter ficado da cor de seu cabelo.
   ‒ Bonnie? ‒ Ed me chamou, já dentro do carro, parado na beira da calçada. ‒ Você vem? ‒ Assenti e me virei para o garoto.
   ‒ Eu sou a Bonnie, aliás. ‒ Estendi a mão. Ele a apertou, hesitante.
   ‒ A gente se vê qualquer dia desses, Bonnie. ‒ Andrew se virou e seguiu para o outro lado do beco.
*
Duas semanas se passaram e todos os dias eu ia até a sorveteria, pelo menos para falar com Andrew. Ele era geminiano e estudava na mesma faculdade que eu, porém nossos horários não permitiam que nos encontrássemos.
   Era uma quinta-feira, no finalzinho da tarde, eu estava em casa. Maxxie havia me liberado mais cedo por casa da minha viagem, que seria na manhã seguinte. Eu estava terminando de arrumar as coisas, enquanto a água para o chá fervia. Andrew não havia ido trabalhar naquele dia, mas havia dito que daria um jeito de se despedir no aeroporto.
   A campainha tocou e eu fui correndo atendê-la. Devia ser o entregador de pizza. Pelo olho mágico, não consegui ver quem era, então abri a fresta que a corrente permitia. Tarde de mais.
   Em segundos, várias pessoas com roupas pretas estavam dentro da minha casa, revirando, procurando coisas de valor. Alguém me segurava. Olhei para trás e vi um fio cacheado ruivo.
   ‒ Me desculpe. ‒ Ele sussurrou, porém não reconheci sua voz.
   Agora, na delegacia, eu finalmente entendi, (Com um delay de quase 4 horas.)
   "Senhora, você tem idéia de quem possa ter feito isso?" A policial responsável perguntou.
   "Agora eu sei." Me abracei com meus próprios braços. "O nome dele é Andrew."

domingo, 6 de março de 2016

O garoto inteligente

Pedro sentiu-se atordoado por um momento. Havia uma semana, desde que tinha conhecido Felipe na casa de uns amigos. Lembrava-se bem da ocasião. Seu melhor amigo, Henrique, tinha insistido para que ele fosse à sua casa para conhecer a namorada nova. Pedro estava um pouco cansado, mas aceitou ir, em consideração ao amigo. Quando chegou na “festinha”, foi apresentado ao irmão de Priscila, a famosa namorada de Henrique. Durante algumas horas, Pedro e Felipe estiveram em assuntos infinitos. Um papo emendava em outro e eles conversavam por bastante tempo.

Felipe era inteligente e interessado em literatura e música clássica. Pedro nunca pensou que poderia encontrar outra pessoa no mundo que tivesse o mesmo interesse. Quando começaram a conversar, ficou explicito que se dariam muito bem. Falavam de Bach e William Shakespeare, recitavam versos decorados de Camões e riam juntos da política internacional. Pedro tinha se encantado tanto que não reparou que havia outras pessoas na festa. Não falou com nenhuma das garotas que passavam, não pensou em nada além das palavras que dizia.

Na semana que sucedeu a festa, havia encontrado mulheres lindas, e até mesmo lembrado de momentos antigos com suas ex-namoradas. Ligou para Henrique e falaram de mulheres lindas, futebol e, finalmente, de Felipe. Quando o assunto chegou no garoto, não soube como se controlar. Sabia, com todas as forças que era heterossexual. Assim tinha sido durante sua vida inteira. Não havia chances de aquilo mudar, a menos que...

Segurou a tentação de ligar para Felipe. Não queria que aquele sentimento trouxesse dúvidas para a sua vida. Foi somente um papo bom e inteligente, isso não significa estar apaixonado por alguém. Era o que dizia para si mesmo. Mas mesmo nas palavras que dizia ele via a mentira estampada. Pegava-se pensando nele nos momentos mais inconvenientes do dia e, sem perceber, sentia uma movimentação involuntária no andar de baixo. Estava realmente sentindo-se excitado ao se lembrar da conversa com Felipe.

Correu para a primeira boate com música alta e eletrônica. Pedro nunca suportou as batidas eletrônicas. Não havia beleza naqueles sons artificiais. Nada soava como um doce violino. Encontrou uma garota e puxou assunto com ela. Deteve-se na primeira fala dela: “Eu amo essa música.” Logo, pensou que estivesse no lugar errado. “Na verdade, eu prefiro ouvir Bach.” Respondeu Pedro. “Bar? Ah, claro! Eu também gosto.Se você quiser podemos ir para um lugar mais sossegado.”

Pedro sentiu vontade de chorar. Correu para fora daquele lugar e olhou para as estrelas. Pensou na mulher que acabara de conhecer, em como ela tinha demonstrado que não conhecia nada do que ele gostava. Instintivamente, sua mente voou para a festa da semana passada. Lembrou-se dos versos recitados, da política medíocre, do riso consciente de Felipe. Seus olhos agrupavam uma beleza que transcendia a aparência. Sua beleza estava escondida nas palavras bonitas que ele dizia. Pedro olhou para o telefone, pensou mais uma vez. Não queria admitir para ninguém o que sentia. Talvez estivesse errado. Talvez ele não fosse gay, afinal. Talvez ele fosse alguma outra coisa.

“Alô”


“Felipe, sou eu Pedro. Tá afim de ir para algum lugar hoje?”


sábado, 5 de março de 2016

Sentido obrigatório

Está escuro demais. Está chovendo demais. Quero sair de onde estou, mas não acho os pedais. O acelerador não acelera. O freio não freia. Morreu, já não sei por quantas vezes consecutivas e não quero fazer funcionar de novo. Quantas vezes ainda serei obrigada a ressuscitar?

Não posso sair e ir para lugar algum. Não tenho como guiar isso. Sei que deveria estar em algum lugar, qualquer outro lugar que não aqui, mas não sei como chegar lá. Não sei o caminho, não sei para onde ir e pior: ainda não consigo ligar esse carro. Não quero ligar esse carro. É sempre rápido demais, com comandos demais. O motor está sempre mais forte que o meu coração e isso me desequilibra por dentro. Não sinto que estou no controle. Não posso estar no controle de algo maior e mais forte do que eu. Quero sair e andar com meus próprios pés, assim sim eu me sinto eu. Só com meus pés eu me sinto segura, confiante, dona de tudo o que me cerca. Sobre minhas pernas é possível sustentar o peso do meu corpo, minha história, minhas nuances. Esse banco frio não me conforta, esse metal insensível não se importa com o que sinto por dentro. Um carro não tem um interior para simpatizar com o meu, talvez por isso me sinta tão sozinha aqui dentro. Mas não posso sair, há chuva demais lá fora.

As buzinas atrás de mim ecoam enfurecidas. Há gente sem todo o tempo do mundo que precisa continuar sua vida em seus carros, acelerando, freando, engatando a marcha e exercendo controle sobre a máquina. Não sou uma dessas pessoas. Não posso exercer controle para além de mim.

Estou sozinha no carro, sem ninguém para rir comigo da minha inabilidade com o acelerador. Esses ficaram para trás. "Uns perdem para outros ganharem", mas eu não quero ganhar sozinha. Não quero um carro vazio. Por que não podemos todos ganhar e compartilhar nossa vitória?

Quero poder aprender fora das ruas e no meio do caminho poder rir. Quero ter a chance de errar sem precisar sempre recomeçar tudo de novo. Afinal, na era dos automóveis, criar pernas e ter companhia para caminhar é um desejo que a indústria não nos permite realizar.

 

sexta-feira, 4 de março de 2016

Aos seus pés








 
Era uma vez um príncipe metidinho que gostava de esnobar as princesas. Ele é claro, gostava que elas estivessem atrás dele, mas quando olhava seus cérebros ocos e vazios, ele fugia, porque ninguém estava "a sua altura". Eu sei, babaquice, mas  fazer o quê? Era nisso que ele acreditava. Bem, o que importa é que um dia ele jurou que encontraria a mulher mais linda do mundo. Ele ainda tinha essa ilusão de que iria encontrar alguém digno dos seus galanteadores cortejos. Então ele pesquisou. Entrevistou os mais sábios que podia encontrar e saiu para encontrar a sua amada.

Sua primeira parada foi em uma vila pacata. E quando eu digo pacata, quero dizer, chata pra caramba. As pessoas eram muito paradonas, do tipo "vamos sentar em rodinha e conversar sobre política e literatura". Enfim, o que importa é que o principezinho encontrou uma garota que ele pensou ser a proferida. Ela era linda, de verdade! Tinha um sorriso que deixava os homens enlouquecidos. E quando ela ficava tímida, mordia os lábios e os homens caiam duros. E quando eu digo duros, é só uma maneira de expressão. Isso é um conto de fadas, não uma edição da playboy.

Quando ele começou a falar com ela, dava pra sentir algo estranho no ar. Ela tava gostando. E quanto mais ele falava, mais ela gostava e mais ela mordia os lábios, muda. Bem, acho que as coisas começaram a ficar ruins quando ela começou a falar. Não é que ela fosse burra, mas, acho que deu pra entender que ela levava uma vida simples de camponesa. Ele era um babaca por achar que ela entenderia de equitação e etiqueta. Quando ela falava das coisas que gostava, ficava óbvio que ele estava entediado. Muito entediado. Então ele foi embora. Eu já falei que ele era um babaca?

E assim, ele ia de cidade em cidade atrás da garota que procurava. Uma era burra demais. A outra mau educada. A outra não sabia que mim não conjuga verbo [ok, aí eu até entendo o lado dele]. A outra não apreciava música clássica. E ainda teve uma que era perfeita e lindíssima, mas tinha a mania de falar "né", "cara" e palavrão. Mas foda-se, o melhor da história está por vir.

Então ele encontrou quem procurava. Uma princesa, a mais linda de todas, a mais perfeita e intocável (e não estou falando de mim). Ele se apaixonou finalmente. "Ela é educada e muito inteligente. Como seria perfeito ter conversas agradáveis com ela sob a luz da Lua." Pena que ela tinha outros planos. Acontece que ELE NÃO ESTAVA AOS PÉS DELA. E ela disse isso bem mastigadinho. Ele ficou muito irritado e voltou para casa sozinho. Deitou no seu quarto e olhou para o espelho. A única pessoa que estava aos seus pés: ele mesmo.

Por fim, bem, digamos que ele foi forçado a casar para assumir o trono, e casou com uma nobre retardadinha que confundia safira com esmeralda. O que importa é que ele guardou as palavras daquela mulher e nunca mais fez ninguém sentir-se inferior. Parabéns amiguinho, você aprendeu uma lição.

 

quinta-feira, 3 de março de 2016

Mais bonita, legal e inteligente

Querida C.,
Você estava certa sobre tudo, afinal. Quando conversávamos sobre quem de nós era mais bonito, inteligente e legal, vou reclamou todos os títulos para si mesma. Ora, eu tive que revidar, não poderia lhe entregar todos os pontos. Além de que, lhe fazer elogios seria admitir algo que eu não estava pronto para dizer, mas acho que agora já posso concordar com você.

Eu não fui nada inteligente, admito. Meu lado racional diz que eu não devia pensar em você tanto quanto eu penso, mas, o que eu posso fazer se escolhi concordar com o lado emocional? Fui burro, de fato. Vivi em uma indecisão eterna, como sempre fiz. Acho que isso subtrai mais alguns pontos do meu QI. Na minha imaginação, você nem se lembra que eu existo, o que faz de você mais inteligente que eu, de fato.

Por estar imerso neste sentimento por você, parece que tenho estado mais apático ao mundo aqui fora. Prendi-me nas coisas que você disse. Os gostos que você tinha e acho que é a única coisa que venho fazendo desde então. Indo aos lugares dos quais você me falou, na esperança de que esbarre com você em alguma esquina. As pessoas estão começando a perceber que estou estranho, devo estar antissocial e distante para elas, o que me faz ser bem mais chato do que você.

Quanto a beleza, nunca precisei discordar de você. De tudo o que passamos, o que mais me lembro é do seu sorriso. Não só aquele que você faz quando estamos discutindo, mas também as gargalhadas extravagantes, exageradas e agudas. Lembro-me de como seus olhos tocavam meu coração e de como eu me sentia totalmente fora de mim quando observava você. Você é mais bonita. Sempre foi.

Queria poder tudo isso para você. Queria olhar nos teus olhos e admitir que você estava certa. Admitir que estão todos certos. Admitir o que eu sinto por você. Para mim, para todos, para você. Toda vez que penso nos dias passados, eu desejo ter tido mais coragem, tenho medo de ter perdido você para sempre. Isso vem me matando a cada dia. A cada momento, enquanto espero por você, sinto-me mais burro, mais feio, mais chato. E isso me afasta de você.

Mando-lhe esta carta, porque tenho medo de que a luz dentro de mim se apague. Tenho medo de sucumbir a uma escuridão dentro de mim e acabar abandonado no canto do meu quarto. Não posso fazer isso sem você. Não posso lutar por nós dois. Eu fiz uma promessa antes de te conhecer e tenho me apegado a esta promessa desde então. Se você quiser me encontrar, você precisa dar o primeiro passo. Mande uma carta dizendo “oi” e nada mais. Diga-me isso e estarei pronto para quebrar qualquer promessa que eu tenha feito. Se você não fizer nada, eu farei ainda menos. Talvez isso seja uma coisa boa para você, talvez isso significa que você está muito bem e feliz.

Espero que tenha uma boa vida. Seja sempre linda, inteligente e feliz.

Sempre seu, M.