segunda-feira, 7 de março de 2016

O garoto da sorveteria

 
Annie tagarelava, enquanto o garoto ruivo e sardento me entregava o pote de sorvete. Por um segundo, ele me encarou, como quem pedia ajuda, mas, lerda do jeito que sou, não dei importância.
   ‒ Obrigada. ‒ Sorri para o garoto, que, como dizia seu crachá, se chamava Andrew.
   ‒ Então, descobri que ele é geminiano, com ascendente em Virgem... ‒ Annie continuava a falar sobre o tal vizinho e sobre signos do zodíaco. Ela vivia insistindo para fazer um tal de mapa meu e, desde que eu deixei, ela não para de falar sobre isso ‒ como se eu entendesse uma vírgula. ‒ Bonnie! ‒ Ela estalou os dedos na frente dos meus olhos, para chamar minha atenção, mas quase me fez ser atropelada por um ciclista.
   ‒ O que é, Annie?
   ‒ Sabe o que isso significa? ‒ Fiz que não, com a cabeça. Mesmo sem saber o que "isso" era. ‒ Significa que vocês são perfeitos um pro outro! ‒ Ela tinha um sorriso gigantesco no rosto, mas demorei alguns segundos para raciocinar o que ela havia dito.
   ‒ O QUÊ?! ‒ Praticamente virei o pote de sorvete no jaleco dela. O sinal abriu e as pessoas que passavam por nós me encaravam, carrancudos.
   ‒ Ele é geminiano. Você é virginiana. Com ascendente em Gêmeos. ‒ Ela usava aquela voz de professora do Jardim. ‒ São perfeitos!
    ‒ Olha só, Annie, eu sei que você tá querendo dar uma de Cupido, agora que o Jeff terminou o noivado, mas eu nem conheço esse... ‒ Parei. Ela havia me deixado falando sozinha. Ela seguiu para a clínica onde trabalhava, e eu fui para o estágio, na rádio local.
   ‒  Fala, garota! ‒ Maxxie me cumprimentou, quando entrei em sua sala. ‒ Hum, me dá um pouco? ‒ Ele sorriu, quando viu que o pote estava a meio caminho de sua mão. Previsível.
   ‒ Onde estão Edward,Lynn e Kara? ‒ Pergunto me apoiando em sua mesa. De uma de suas janelas, posso observara sorveteria, mas estamos alto demais para que eu possa ver o rosto do garoto ruivo. ‒ Andrew. ‒ Sussurro.
   ‒ Elas foram até o shopping. Parece que Kara tem um casamento semana que vem. ‒ Assenti e me virei para sair da sala, pensativa. ‒ Bonnie?
   ‒ Hum? ‒ Me viro para Maxxie. Posso sentir seus olhos sobre minha mais nova tatuagem: um avião, com sua rota traçada por uma imagem do globo, com um asterisco em cada lugar que já visitei. Por enquanto, só havia um: Interlaken, Suiça. Onde meu pai vivia.
   ‒ Quando vai colocar mais asteriscos aí? ‒ Sorrio com sua pergunta. Ele sempre fora curioso em relação às minhas tatuagens.
   ‒ No próximo feriado. ‒ Passo os dedos pela costa oeste da América do Norte. ‒ Califórnia. ‒ Maxxie sorri e eu saio da sala, observando os riscos de esmalte preto que ainda estão em minhas unhas.
   Só quando entro na minha sala, percebo que deixei um pote cheio de sorvete com ele. Chuto a parede que nos separa e escuto sua risada. Me sento em minha cadeira e volto a observar a sorveteria,  sem sucesso.  Ainda me recuperando do almoço, começo meu trabalho, organizando playlists, planilhas e outras coisas.
   Pouco depois, Ed, Lynn e Kara, chegaram e eles decidiram sair para beber, ao fim do expediente. Eu não ia. Não bebia nada além de sucos e água.
   ‒ Nunca mais saio para fazer compras com essas duas! ‒ Edward reclamava no elevador. Ele havia insistido em me levar em casa, já que era caminho da dele. O que era mentira, mas, como minha carona usual (Annie, minha vizinha) pegou o plantão da noite, eu não poderia reclamar muito. ‒ Ai, droga! Esqueci minha carteira.
   ‒ Eu espero aqui. ‒ Depois que ele voltou para dentro do prédio, me encostei no carro. O estacionamento, que dava para um beco, estava vazio. Fomos os últimos a sair do escritório e, as poucas pessoas de outros andares, não vieram de carro ou eles estavam em outro lugar.
   Escutei um barulho vindo do beco e me aproximei. Esse é o momento que o telespectador pensa: "todo mundo sabe que (em filmes de terror), quando se ouve um barulho vindo do escuro, você corre pra longe". Mas, 1) isso não era um filme de terror, era só minha vida mesmo, e 2) eu era uma pessoa extremamente curiosa.
   De repente, um grito. Depois um gato voando. Sim, um gato voou.
   ‒ Droga! ‒ Ouvi a voz de um menino, mas não me mexi. Quando ele surgiu na poça de luz do poste mais próximo, dei um grito. O qual ele respondeu da mesma forma.
   ‒ Seu idiota! ‒ Gritei, de novo. Mas, então, vi que ele tinha cabelos ruivos e sardas. ‒ Andrew...
   ‒ Como sabe meu nome? ‒ Ele ainda estava agitado, por causa do susto.
   ‒ Eu... Ahm... ‒ Pisquei algumas vezes, enquanto tentava lembrar o que eu estava falando. Acontece que um garoto com cabelos ruivos e cacheados e TODO tatuado estava à minha frente. ‒ Eu vi no crachá, hoje mais cedo.
   ‒ Ah sim. ‒ Ele ficou me encarando por um tempo, e tive certeza de ter ficado da cor de seu cabelo.
   ‒ Bonnie? ‒ Ed me chamou, já dentro do carro, parado na beira da calçada. ‒ Você vem? ‒ Assenti e me virei para o garoto.
   ‒ Eu sou a Bonnie, aliás. ‒ Estendi a mão. Ele a apertou, hesitante.
   ‒ A gente se vê qualquer dia desses, Bonnie. ‒ Andrew se virou e seguiu para o outro lado do beco.
*
Duas semanas se passaram e todos os dias eu ia até a sorveteria, pelo menos para falar com Andrew. Ele era geminiano e estudava na mesma faculdade que eu, porém nossos horários não permitiam que nos encontrássemos.
   Era uma quinta-feira, no finalzinho da tarde, eu estava em casa. Maxxie havia me liberado mais cedo por casa da minha viagem, que seria na manhã seguinte. Eu estava terminando de arrumar as coisas, enquanto a água para o chá fervia. Andrew não havia ido trabalhar naquele dia, mas havia dito que daria um jeito de se despedir no aeroporto.
   A campainha tocou e eu fui correndo atendê-la. Devia ser o entregador de pizza. Pelo olho mágico, não consegui ver quem era, então abri a fresta que a corrente permitia. Tarde de mais.
   Em segundos, várias pessoas com roupas pretas estavam dentro da minha casa, revirando, procurando coisas de valor. Alguém me segurava. Olhei para trás e vi um fio cacheado ruivo.
   ‒ Me desculpe. ‒ Ele sussurrou, porém não reconheci sua voz.
   Agora, na delegacia, eu finalmente entendi, (Com um delay de quase 4 horas.)
   "Senhora, você tem idéia de quem possa ter feito isso?" A policial responsável perguntou.
   "Agora eu sei." Me abracei com meus próprios braços. "O nome dele é Andrew."

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