Por mais lindo que o
sorriso dela fosse, a câmera era incapaz de captar a sua expressão. A cada
flash, sobrava somente a certeza de que ela não queria nada daquilo. Não queria
a sua imagem guardada em um arquivo de 5,4 megabytes.
Sua imagem vampiresca fugia das câmeras com sagacidade e insistência. Cada
tentativa que eu fazia de te uma imagem sua era um passo em vão. Uma tentativa
falha após a outra. E cada suspiro dela eu tentava capturar.
Fui arrastado pela sua
beleza. Fui sufocado pelo seu espírito. Fui embalado pelo sorriso dela. Sua
boca escancarada e muda, um sufocar silencioso. Me vi forçado a fotografar cada
sorriso. A câmera parecia concordar com o que ela dizia. Falhava todas as
vezes. Por alguma razão, aquela figura sempre fugia da imagem revelada. Como um
véu de realidade, a certeza de que era muita beleza para ficar presa em pixels.
Sua pele era transparente ao filtro da máquina. Nunca aparecia.
Olhei para as fotos.
Uma imagem de uma cadeira vazia. Uma estátua sem ninguém abraçado a ela. O meu
rosto sozinho em um fundo borrado. Todas sem foco, todas completamente vazias.
Queria guardar uma recordação do seu sorriso deslumbrante e único. A imagem
nunca ficava. Ela era uma vampira por completo. Como as lendas afirmavam, ela
não tinha reflexo, não tinha uma imagem. Suas covinhas jamais poderiam ficar
estampadas nas fotos que eu tirava. Seu sorriso seria uma mera lembrança da
minha mente.
Cheguei a pensar que
era tudo fruto da minha imaginação. O sorriso, o olhar, os lábios. Cheguei a
pensar que nada daquilo era real. Talvez eu só estivesse imaginando coisas, mas
não... eu queria acreditar em tudo aquilo. Se eu ao menos tivesse as fotos, eu
saberia que tudo realmente aconteceu, mas aquelas fotos não provavam nada. Nada
além da minha incapacidade enquanto fotógrafo. Nada além de um borrão que havia
estado comigo por alguns dias.
Sem provas, sem
memórias, sem um vislumbre da sua imagem. Aquela vampira poderia muito bem ter
sido a causa de tudo. A causa do meu sofrimento, do meu isolamento, da minha
insanidade. Ela não estava nas fotos, mas em quantas fotos eu tinha deixado de
estar também? Quantos encontros de amigos eu tinha dito não? Quantas festas e
bares eu perdi? Tornei-me um vampiro à sua imagem. Ausente de todas as provas e
lembranças. Um fantasma, como ela me ensinou a ser.
Sei, de alguma forma,
que estamos os dois mortos. Mas, por uma infelicidade, também estamos vivos e
separados um do outro. Talvez um dia nos encontremos no além e eu possa
reencontrar aquele sorriso que me despertava para a alegria intensa. Quem sabe
eu possa decifrar os mistérios por detrás daquela figura deslumbrante que tive
o prazer de conhecer. Eu vi em seus olhos a sede de sangue. Eu despertei a sede
dentro de mim. Tornei-me a imagem que ela nunca teria estampada.
Tornei-me então o
amante que se transforma na coisa amada. Talvez não por completo, mas eu sei
que, com certeza, parte de mim é ela. E essa parte teme flashes e vislumbres em
espelhos. Não tenho mais que rezar pelos cantos, pois já tenho em mim o que eu
nela tanto amo.
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