sábado, 12 de setembro de 2015

Uma pinta na palma da mão

Havia aquela garota, muitas eram as coisas que me irritavam nela. Eu tinha uma lista mental com todas estas coisas. Mas nada, absolutamente nada, causava-me tanta repulsa como a pinta que ela tinha na mão. Eu simplesmente não conseguia encarar aquele ponto. Da primeira vez, fiz piada, ri da sua pinta e rimos juntos para sacramentar a brincadeira. Depois de um tempo, dei luvas de presente, para que ela encobrisse aquela monstruosidade em forma de ponto.

Ela nunca as usava. E eu era obrigado a olhar para aquela pinta todos os dias, mesmo que me fizesse muito mal observá-la ali, quieta e absurda.

Certo dia, notei que minha mão ostentava de um ponto estranho. Um sinal que eu nunca tinha visto ali parado. Era uma pinta. Uma pinta exatamente igual e no mesmo local que a da garota. Fiquei então furioso. Como poderia ela ter aparecido ali? Será que sempre esteve? Por que eu seria obrigado a conviver olhando para aquela pinta? Tentei não olhar, mas havia algo de curioso no seu formato, e eu quis continuar olhando. A pinta e eu nos encaramos por dias.

Tentei usar luvas, não consegui. Fazia-me um tremendo mal usá-las. Eu sentia vontade de encarar a pinta que ela minha e ficava na minha mão. Passei então a encará-la todo dia, na esperança de que sumisse em um súbito e que desaparecesse eternamente. Tolice. Era parte de mim, a pinta.

Hoje, afastado dos meus julgamentos sentimentais, notei que não era só a pinta que eu e a garota compartilhávamos. Na verdade, havia muito em comum entre nós. E como a pinta, tudo que era dela me irritava. Tudo que era meu, me maravilhava. Como poderia eu me encantar e repudiar algo que era tão parte de mim? A pinta dela e a minha eram a mesma pinta, mas em pontos diferentes, pareciam pintas diferentes.


Às vezes, o que mais nos incomoda nos outros é o que reconhecemos em nós. A pinta dela era horrível, a minha era uma lindeza que só ela. Eram a mesma pinta, o que mudou foi o ponto de vista.


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