Havia aquela garota,
muitas eram as coisas que me irritavam nela. Eu tinha uma lista mental com
todas estas coisas. Mas nada, absolutamente nada, causava-me tanta repulsa como
a pinta que ela tinha na mão. Eu simplesmente não conseguia encarar aquele
ponto. Da primeira vez, fiz piada, ri da sua pinta e rimos juntos para
sacramentar a brincadeira. Depois de um tempo, dei luvas de presente, para que
ela encobrisse aquela monstruosidade em forma de ponto.
Ela nunca as usava. E
eu era obrigado a olhar para aquela pinta todos os dias, mesmo que me fizesse
muito mal observá-la ali, quieta e absurda.
Certo dia, notei que
minha mão ostentava de um ponto estranho. Um sinal que eu nunca tinha visto ali
parado. Era uma pinta. Uma pinta exatamente igual e no mesmo local que a da
garota. Fiquei então furioso. Como poderia ela ter aparecido ali? Será que
sempre esteve? Por que eu seria obrigado a conviver olhando para aquela pinta?
Tentei não olhar, mas havia algo de curioso no seu formato, e eu quis continuar
olhando. A pinta e eu nos encaramos por dias.
Tentei usar luvas, não
consegui. Fazia-me um tremendo mal usá-las. Eu sentia vontade de encarar a
pinta que ela minha e ficava na minha mão. Passei então a encará-la todo dia,
na esperança de que sumisse em um súbito e que desaparecesse eternamente.
Tolice. Era parte de mim, a pinta.
Hoje, afastado dos meus
julgamentos sentimentais, notei que não era só a pinta que eu e a garota
compartilhávamos. Na verdade, havia muito em comum entre nós. E como a pinta,
tudo que era dela me irritava. Tudo que era meu, me maravilhava. Como poderia
eu me encantar e repudiar algo que era tão parte de mim? A pinta dela e a minha
eram a mesma pinta, mas em pontos diferentes, pareciam pintas diferentes.
Às vezes, o que mais
nos incomoda nos outros é o que reconhecemos em nós. A pinta dela era horrível,
a minha era uma lindeza que só ela. Eram a mesma pinta, o que mudou foi o ponto
de vista.
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