Eu não queria ir. Mas era preciso.
-Não. -Ela sussurrou pela milionésima vez. Os olhos implorando por outra alternativa. Olhava para os lados, como que procurando uma porta vermelha, com barras anti-pânico e uma placa onde se lia: "saída de emergência". Mas não encontrou nada. Não no meio do centro da metrópole onde havia sido criada.
Eu sabia que, no momento em que eu lhe desse as costas, o mundo desabaria. Eu já disse . Eu não queria ir. Não queria deixá-la. Mas, infelizmente, era necessário.
-E como eu ficarei sem suas palavras, seus desabafos, suas lágrimas? Seu sorriso. As conversas tarde da noite... Como eu sobreviverei?
Eu queria dizer que ela conseguiria. Que ela era forte. Que só precisava falar um pouco mais alto, então eles iriam parar de ignorá-la.
Os olhos dela se encheram de lágrimas. O coração apertou. Ela quase pôde ouvir algo quebrando dentro de si. Os cacos rasgando sua alma. A primeira lágrima veio como o anúncio do temporal. Agora, ela estava sozia. Encarava o assento à sua frente, com raiva, tristeza e indignação. Tudo ao mesmo tempo. Ela estava em um ônibus lotado e, ainda assim, sentia-se terrivelmente só.
Já disse que eu não queria ir. Mas eu devia. Meu ponto havia chegado e eu tive que descer. Passei com dificuldade pelas pessoas que se acumulavam na porta sem necessidade e parei na calçada, para observar o ônibus ir embora. Junto à moça do coração partido.
Como eu havia previsto, o mundo desabou. Abri o guarda-chuva e continuei meu caminho, atravessando as gotas da primeira chuva de setembro.
"Eu queria poder guardar essa chuva de palavras e sentimentos para sempre. Eternizar essas palavras. Mas elas só ficam alguns segundos, escorrendo pela superfície do meu guarda-chuva." (A Nada Incrível Vida de Felipa Desirée-Ana Carolina Gonçalves Ferreira)
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