sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Theresa, 24 anos


(Amiga da vítima)

Sem noção. Totalmente sem noção.

Mesmo sabendo que era dia de imitação na boate, ela não quis ir! Aquela não era uma atitude típica da Angie, simplesmente porque ela nunca perderia uma noite assim! Uma vez por semana, pelo menos, íamos a Boogie Shoes, uma boate em Ipanema que toca as melhores músicas disco possíveis. E, uma vez por mês, acontece lá um concurso de imitação dos artistas do momento que nunca perdíamos. Aliás, Angie fazia questão de ir só para apostar comigo que o candidato vestido de Prince ganharia. É uma tradição nossa. Quer dizer, era...

Droga, droga, droga!!! Nada disso é justo! Quero ter minha amiga aqui de novo, ao meu lado! Queria tê-la ajudado a resolver essa confusão na qual ela se meteu. Porque só pode ter sido essa causa da morte dela: uma baita confusão. Mas o que eu não entendo é como ela poderia se envolver com pessoas capazes de tirar sua vida: não era uma política corrupta, nem ladra; tinha um emprego maneiro como uma simples secretária de escritório; era simpática até demais com quem nem merecia. O único incômodo que causava era ouvir música alta até tarde, o que perturbava seus vizinhos, mas que nunca causaria algo pior do que um BO. Ou seja, não havia motivos para quererem matá-la! Essa é minha opinião; me recuso a acreditar que ela tenha cometido suicídio. Pra mim, não importa se a faca foi encontrada na mão dela: Angelica amava demais a vida simples e independente que tinha e, justamente por isso, nunca agiria de tal forma.

Para a polícia, porém, tudo indica que Angie decidiu se matar: as "alucinações" que estava tendo, o caráter furtivo do seu relacionamento amoroso... Sim, ela se envolveu com um cara casado, mas convivia muito bem com isso. Afinal, ela não tinha mesmo a mínima vontade de estabelecer um relacionamento sério e estável com alguém, o que parece ser inadmissível para aqueles toscos: imagine, uma mulher que não se frustraria por não poder casar com seu enamorado!!! Quanto às alucinações, já perdi a conta de quantas vezes contei àquelas fardas ambulantes que havia realmente alguém seguindo minha amiga! Não cheguei a ver seu rosto, mas percebi uma pessoa nova perto da casa da Angie, além dela mesma ter me contado sobre isso. Aliás, tenho quase certeza de que foi aquele canalha o responsável por tudo.

Desgraçado!

Tudo começou dois dias antes da Angie partir, digamos. Quando chegou em casa do trabalho, ela me telefonou, o que era rotineiro. Mas sua voz soava tão assustada... Era praticamente impossível não notar. Então fiz o óbvio e perguntei o que tinha acontecido, já preocupada com o que poderia ser... E ela me contou que estava sendo seguida desde a hora do almoço. Bem, é claro que toda a minha aflição caiu por terra no mesmo instante e comecei a rir. Afinal, por que Angelica, uma reles secretária seria vigiada por alguém?! Ela, é claro, ficou chateada assim que percebeu que a história não passava de uma grande brincadeira aos meus olhos. Foi quando vieram os detalhes e não tive como não acreditar: ela não inventaria algo assim só para me assustar. Angie contou que saiu para almoçar na mesma lanchonete perto do escritório, quando viu um homem um tanto quanto estranho observando-a do outro lado da rua. Segunda ela, parecia estar agitado. Até mais... Desesperado. Isso, desesperado! Mesmo assim, continuou almoçando como se tudo estivesse normal achando que, talvez, fosse apenas uma paranoia de sua cabeça. Assim que terminou de comer, voltou para o trabalho normalmente. Foi na volta pra casa que as coisas ficaram estranhas.

Minha amiga costumava pegar carona com o César, um colega de trabalho. O cara é atencioso e tudo mais, mas ela simplesmente não conseguia enxergá-lo dessa maneira. Enfim, o que importa é que, assim que chegaram ao prédio dela, aquele maldito assassino estava lá, bem no meio da portaria. Ela disse que só percebeu quando César já tinha ido embora e qualquer chance que ela tivesse de fugir já tinha partido junto com seu carro. Ela disse que tentou fingir que não havia ninguém ali, bem no meio do caminho, e se encaminhou ao elevador, só que o "você-sabe-quem" a segurou nos braços e começou a dizer dezenas de frases sem sentido. Todas eram sobre um passaporte super importante e que "os seus chefes não querem me fornecer". Foi assim que ele falou e, em seguida, pediu ajuda a ela alegando que tratava-se de um caso de vida ou morte. Claro que ela não entendeu nada: nem mesmo sabia qual era a atividade da empresa pra qual trabalhava e acho também que preferia não saber! Afinal, ela era secretária e não precisava saber de maiores detalhes sobre os chefes dela. Bem, era assim que pensava, mas sempre achei essa história toda esquisita demais pro meu gosto... Pra sorte da minha amiga, os vizinhos do 304 acabavam de chegar ao prédio, o que assustou o cara e fez com que ele fosse embora rapidinho. Sabe-se lá o que ele queria de verdade?! Tadinha... foi então que subiu pro apartamento e telefonou pra mim.

Durante os dois dias que se seguiram, não houve um só que ela passasse sem me telefonar para contar que havia visto novamente o homem estranho. Não só viu como chegou a falar com ele após ser abordada algumas vezes, sempre questionada sobre um tal passaporte do qual ele precisava muito. O que ela poderia fazer além de responder que não sabia sobre o que ele estava falando? Ai, essa história a enlouquecia cada vez mais... pensou até em colocar trancas a mais na porta do apê! A tadinha nem teve tempo, foi tudo tão rápido...  Mas não tornou-se insana, isso não! Nunca se mataria. Era medo, só isso. Queria tê-la ajudado mais; queria ter feito tudo o que estava ao meu alcance, o que infelizmente era maior do que pensava e nem mesmo percebi. Tê-la confortado, ao menos, quem sabe.

Em vez disso, fiz com que nossa última conversa se baseasse numa discussão ridícula sobre uma festa tola... Qual será meu problema, afinal de contas?! Tudo porque não quis acreditar que ela estava abrindo mão de uma noite supostamente maravilhosa por causa de um resfriado qualquer. Enquanto Angie alegava precisar de descanso e de um chá bem quente, eu só fazia espernear e afirmar que aquilo não passava de mais uma desculpa para ficar longe das ruas. Assim como de seu perseguidor, aquele cretino. Àquela altura, eu já não aguentava mais ouvir falar em perseguição e passaporte. Não mesmo. No fim, disse que iria à boate, mesmo sozinha, ao passo que ela ficaria em casa. O que não foi bem o que aconteceu.

O que aconteceu foi que me senti culpada pelo rompante de infantilidade e decidi visitá-la depois do trabalho. Fui de surpresa, mas a surpreendida fui eu: assim que cheguei ao prédio, topei com o César em frente à portaria. Minha nossa, o que ele estaria fazendo lá? Que eu saiba, os dois se falavam apenas no escritório e durante o pequeno trajeto de carro de lá até a casa de Angie. Uma visita estava definitivamente fora de qualquer expectativa! Desnecessário dizer que perguntei, na mesma hora, o que ele fazia lá. A resposta, porém, não me convenceu muito... Vaga demais, tanto que nem lembro direito. Mas, não tinha nada a ver com a Angie, muito menos com seu resfriado. Afinal, segundo ele, "Angelica estava animadíssima no trabalho, não parecia estar doente. Até saiu mais cedo por causa de um compromisso inadiável e que muito prometia". Havia algo errado nessa história, já que aquela Angelica não parecia ser a mesma com quem discuti horas antes. Bem, como ela não estava em casa, dei tchau para o César e dei meia-volta, tentando digerir o que ouvi da boca dele. Ela não mentiria pra mim... Eu acho. Talvez tenha apenas ido ao encontro do Sr. Mistério de Aliança e, enquanto voltava para casa, foi surpreendida pelo desgraçado que acabou com a vida dela. Perseguidor idiota, perseguidor idiota, perseguidor idiota!!! Poderia passar o resto da minha vida xingando esse maldito!

Só não o farei pela Angelica: ela nunca me deixaria desperdiçar anos e mais anos por causa de um desesperado. Então, pela amizade dela, que sempre foi e ainda é um de meus maiores tesouros, eu o perdoarei. É a única forma de me libertar desse ódio que sinto aqui, no fundo do peito.
Pela Angelica.
 

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