As luzes, uma infinidade de pontos brilhantes abaixo de mim. A cidade, se estende por quilômetros desde a amurada em que me empoleirei. A bela, seu vestido branco reflete o luar que paira acima de mim. Ela está tão longe, na rua colorida de um festival cantante. Eu estou tão só, sob a pedra fria da torre onde os anjos se encontram para se amar ao som do badalar da meia noite. Visão de pecado, visão de pureza.
Eu cruzo o estreito e gasto corrimão da velha basílica, desvio o olhar da beleza que me atraí ao chão, mas é tão forte o desejo. A brilhante corrente prateada me ata às abas do rodopiante vestido de lua, me atrai, me puxa. Eu sei voar, posso ir até lá, mas tenho tanto medo de altura. Só o pensamento de voo já me dá tontura, mas ando tonto desde que a vi pela primeira vez, que diferença faria se eu descer de uma vez? Não. Não posso. Hesito.
Doce ironia do destino, minhas asas são de pedra dura, meu coração, de espírito mole. Se ao menos houvesse outro meio... as escadas!!! Lindas asa assustadas se abrem ao sentir a presença do demônio de pedra que percorre a torre no céu em busca das escadas que descem ao paraíso. Estavam fechadas. O Frade sempre as fecha durante a noite, como pôde a ingênua criatura esquecer? O som do raspar de garras no solo é leve, deprimido, sozinho. Então a corrente puxa forte e a estátua que novamente está empoleirada à beira do precipício sente remorso da covardia que a contém. Seu coração mole está quebrado, lhe falta uma lasca desgastada pelo tempo, a intempérie da vida. Ela sente a ânsia da descida, mas o que será que aconteceria depois, viraria um monte de pedras? Um monte de pedras de amor?
Logo ouve se um leve assobio de pedra contra o ar, a sensação... boa, ruim, caótica e harmoniosa. A descida é breve. A multidão grita assustada. O baque contra o chão é muito forte, o suficiente para parar o baile. Em meio a uma nuvem de poeira, via-se um monte de pedras, lascas de asas, metade de um tronco, garras, cauda, todos em pedaços. Da cabeça decapitada viam-se quatro pedaços lascados e separados. Alguns transeuntes desesperam-se, era o fim do mundo, os anjos caíam e os demônios surgiam. Outros, os céticos, retomam aos poucos seus afazeres e suas comemorações, nunca abandonam a expressão de desprezo, incredulidade, cansaço. Ainda haviam os gatunos que se aproveitam da situação e batem as carteiras dos distraídos. Porém, existia apenas uma pessoa não se encaixava em grupo algum, uma jovem de vestido branco que estava justo à entrada da igreja. Ela revira os escombros com habilidade, mas com um certo carinho, e enfim tira do monte uma pedra lisa, polida, quase um cristal, a jovem dá-lhe um leve beijo e a aperta contra a segurança de seu seio. O que a jovem tomou para si já era dela fazia muito tempo, não era uma joia ou artesanato, era a sua relíquia, a mais preciosa delas, a prova de amor.
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