E Lá estava eu, parado no meio de um cruzamento. Não sabia como havia chegado ali. Muitas pessoas indo e vindo de todas as direções. Havia também muitos carros, apesar do tempo do semáforo parecer estar congelado. Eu sentia uma vontade desesperadora de falar com alguém. Com qualquer pessoa. Mas eu não conseguia dizer nada. Eu tentava, mas as palavras não se formavam. Não sei dizer se a minha voz havia sumido, se ninguém queria me escutar ou se eu realmente havia desaprendido a falar. Enquanto isso eles continuavam a caminhar. Olhei a minha volta e percebi que alguns conversavam entre si em sequências de sons que eu não conseguia distinguir. Outros calados e de cabeça baixa. Alguns sorriam. Algumas crianças brincavam e pareciam estar felizes. Alguns adultos visivelmente angustiados. Motores de carros e motos faziam muito barulho. Pessoas entregavam panfletos de diversas cores que eu não conseguia identificar. Cheiro de gasolina. O sol estava forte. Havia um céu e uma imensidão de urbanismo. Não sabia o porquê, mas naquele momento eu também fazia uma parte daquela paisagem. Até que, em um piscar de olhos, tudo se transformou diante de mim.
Eu não tinha certeza se estava no mesmo lugar. Tudo foi muito rápido e de certo modo assustador. Os prédios estavam agora em ruínas. A cidade estava em ruínas. As pessoas haviam sumido. O céu limpo deu lugar a um horizonte de nuvens escuras, como se estivesse prestes a chover a qualquer momento. E a chuva era a única esperança daquele mundo sair de um silêncio ensurdecedor. Eu ainda não conseguia falar. Meu estômago estava embrulhado também. Me sentia mal como se estivesse sob o efeito de alguma droga. Minha visão um pouco embaçada, mas eu me sentia incrivelmente leve. Eu me sentia como um legítimo sobrevivente ao fim do mundo. Decidi andar na direção de uma das ruas, mas no menor dos meus movimentos, a rua levantou-se em minha direção, tornando-se uma parede. Uma parede impossível de escalar, concluí após algumas tentativas fracassadas. Tentei me mover na direção de todas as outras ruas, porém instantaneamente o mesmo acontecia com elas. Eu estava incapacitado. Como um pássaro sem asas em uma caixa de papelão gigantesca e destampada.
Podia não ser o fim de um mundo, mas uma espécie de prisão. E se fosse o fim do mundo, eu preferia ter acabado junto com ele. Passar o resto da eternidade sozinho nunca esteve em meus planos. Afinal de contas, a realidade ainda estava ali. E, como de costume, estava contra mim. Talvez alguma força superior estivesse me poupando de encontrar o que eu não gostaria, mas meu instinto me dizia que era mais do que isso. Minha vontade de falar não havia passado ainda. Nascido com uma alma que não quer ser salva, eu possivelmente havia me tornado o anjo que anunciaria o apocalipse.
O mundo terminava aos meus pés. Nada existia ao meu redor. Mas eu... Eu? Eu existia. Existia? As paredes queriam me deixar recluso, envolto numa semiexistência. A incerteza. Juntar os pedaços já não adiantaria mais nada. Não há escape. Eu ainda não podia falar, mas se pudesse, gritaria o mais alto que puder. Quem sabe as paredes explodiriam nos meus gritos? Que mundo é esse? Que papel restaria para mim naquela existência? Recluso, não me cabia mais observar a natureza das pessoas. Não era mais para mim o canto dos pássaros ou os sorrisos alheios. Ser um anjo tem dessas coisas. Vivemos para cuidar sem interferir ou interferir sem cuidar. Sinto saudade do calor e do frio. O mundo em breve estaria inundado naquela chuva.
A acidez da chuva ardia nos meus olhos. Ardia como fogo. Ardia como água. Ardia como palavras de amor não ditas. Queimava. Deixei minha pele derreter, degradar. Eu estava mesmo enjaulado. Esperava que, talvez, quando a água atingisse o topo eu pudesse vazar pelos lados. Então eu me deixei levar pelas águas do fim do mundo. E de pouco em pouco eu fui subindo, sem saber se eu queria ver o chão. A ácida água ia penetrando por todos os lugares. Sentia meu coração arder inundado. Eu era então um rio. Eu era então um mar. Nos meus olhos se formavam as ondas que iriam causar o fim do mundo. Eu era o anúncio do fim dos tempos. Eu era a causa da destruição eterna.
A maldade existe em todos nós. Todos temos o potencial para destruir. E destruímos. Quando nos encontramos sozinhos, nosso potencial explode de dentro de nós, e nós destruímos. Era verdade que eu havia trazido o fim do mundo, mas eu não era o único. Todos nós damos um fim em algum momento. Eu era o anjo do apocalipse. Eu era um anjo do apocalipse. Minha destruição veio pelas minhas mãos. Eu queria existir e eu existia. Eu quis destruir e eu destruí. Quantas vezes você deu um fim ao seu mundo? Quantas vezes você desmoronou o mundo de alguém? Quem você é? Quem pensa ser? Eu sou um anjo de morte. E você, que anjo você é?
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