quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Senteça final

Não posso ainda acreditar... Não pode ser...
‒Ela tem... Leucemia? ‒ minha mãe perguntou pela terceira vez ao médico.
‒Eu sinto muito. ‒ ele disse pela quarta.
Levantei perplexa com a situação. Dezesseis anos, uma vida inteira pela frente, que poderá ser cortada ao meio pelo destino sem menor cerimônia. Por que isso acontece comigo?
As memórias voltam na minha mente.
Meu primeiro amor. O frio na barriga do primeiro beijo. O último ano do fundamental. Tudo me dói ao lembrar. Por que logo agora?
‒Três meses no máximo. ‒ esse era o prazo.
Se pudesse escolher uma trilha sonora para minha vida, talvez escolheria "See You Again" para demonstrar o que eu sinto em relação aos meus amigos, ou quem sabe "Flor de Lis" para mostrar o desapontamento de minha mãe ao saber que sua segunda filha morrerá da mesma causa que a primeira.
Me pergunto "por quê?", contudo, minha mãe que deviria se perguntar isso, pois não é que nem ganhar na loteria pela segunda vez. Não consigo nem imaginar o que ela sentiu ao ver pela segunda vez, sua filha sendo internada no mesmo hospital... Quiçá no mesmo quarto. Quanto tempo dessa vez? Quanto tempo essa tortura duraria agora?
‒Meu conselho é não deixá-la isolada, como fez com Isabel.
A menção à minha irmã mais velha me acorda.
‒Deixe-a realizar seus últimos desejos. Como uma viagem para a Europa. Eu estou falando como amigo da família, Vanessa. Isso não será bom para ninguém. Eu sei que você sentirá falta dela, mas elas são como passarinhos: frágeis, mas, se ficarem em uma gaiola por muito tempo, esquecem como voar. Você sabe bem disso.
E sabia. Minha mãe tinha um sonho. Ela queria ser atriz. E ia ser famosa, pois tinha talento e simpatia. Todos a amavam. Mas meu avô não aprovava isso e a impediu de seguir seu sonho. Hoje ela assiste a uma novela e nem se lembra da sensação de como era atuar.
‒Obrigada, Carlos.
Minha mãe se despede do médico (e amigo de infância), seguindo pelos corredores do hospital. Me guiando em uma cadeira de rodas. Ela não diz uma palavra sequer. E eu sei o que ela está pensando. Ela já abriu a gaiola para muitos pássaros e, agora, era a minha vez.

 

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