terça-feira, 31 de março de 2015

O Que não é: O príncipe do templo

Ariana entrou no templo empunhando uma vela acesa e mais nada. O único corredor tinha suas paredes cobertas de imagens. Olhe uma vez com intenções profanas e verás somente o céu. Pensarás estar do lado de fora, e então sua alma estará perdido em um não-lugar indecifrável. Olhe uma segunda vez, agora com o coração puro e verás então o que procuras, as sete donzelas prostradas no canto de cada parede, onde só os sonhos bons podem alcançar.
“Senhoras, por favor, não venho por mim, mas pelo meu filho.” Sussurrou Ariana aos pés de uma das sete.
“Vens por que era teu destino vir.” Disse a primeira com um tom irado em sua voz. “Digas com o coração e seu desejo será atendido.”
“Não tenho o que comer, mal possuo o que vestir. Devo a muitos, pago a poucos. Kazin não pode viver neste meu mundo. Ele merece uma vida de muito mais brilho e mais amor.”
“Assim será...” Ouviu-se em uníssono as sete dizerem.

Kazin acordou em sua cama de mogno. Viver em um palácio era algo com que todo garoto sonhava na vida, exceto Kazin. Não havia realeza em si. Gostava de vaguear pelos campos, cuidar dos cavalos e olhar o giro dos moinhos de vento. De fato tinha comida, roupas e morada da mais alta qualidade. Dinheiro que enchia muitos potes, mas sentia-se como se nunca fosse encontrar a sua felicidade.
Seu coração apontava vários caminhos, permitia que se apaixonasse e por vezes até que vivesse alegremente, mas não havia um amor para o qual se dedicar. Como o príncipe que era, devia se casar, provavelmente com uma princesa qualquer, e assumir um cargo de muita importância, receber o respeito e a admiração de um rei. Mas de que adianta uma cabeça coroada com um coração vazio?
Ouviu então em uma tarde sobre um templo misterioso, que se encontrava numa terra distante, onde algumas donzelas atendiam a pedidos de bons corações. Todos sabiam do perigo que se escondia para aqueles que só desejavam o amor próprio, mas não Kazin. Este nada sabia além de talheres de prata, hipismo e reverências.
Cavalgando por três dias, Kazin foi atrás do templo que poderia lhe conceder um amor. Pensava que, uma vez que a encontrasse, poderiam fugir e viver sobre a copa das árvores, em um casebre de madeira, sem coroas e sem bustos de mármore.
Quando chegou ao templo, não pode acreditar na visão que teve. Era um mero corredor. Assim que passou pelo portal, tudo o que viu foi uma visão estonteante do céu azul. A noite caía e a luz brilhava altiva no céu sem estrelas. Nuvens convergiam para ela junto com todo o resto do mundo. De uma forma louca, dava para sentir a gravidade lunar o puxando. O templo deixava de existir e a lua sumia, restando apenas as nuvens e um nada esbranquiçado que cobria as suas beiradas.
“Kazin.” Disse uma voz feminina.
“É a morte quem me chama?” Perguntou o garoto com lágrimas nos olhos.
“É sua mãe.”
“E por que não a vejo, mãe?”
“Não poderás enxergar nada se tiveres intenções egoístas. O que veio pedir a mim e às outras?”
“Vim pedir por um amor.”
“E por que achas que o merece?” Indagou a mãe, agora com um coro de vozes femininas ao longe. O branco começava a se tornar o azul escuro da noite.
“Ora, por que é o sonho de qualquer um na vida. Eu tenho tudo. Dinheiro, comida, roupa, casa... Moro em um castelo cercado de deveres, repleto de luxos. Terei de me casar um dia, não pelas razões que eu quero, talvez nem mesmo com a mulher que desejo. Meu coração é uma bússola enloquecida. Já conheci mil amores mas ainda me falta conhecer um. Aquele que me fará desistir de todos os outros milhares.” Kazin fez uma pausa reparando que estava de volta no corredor do templo. Ele podia ver as oito donzelas prostradas a sua frente. “Se eu não tivesse nada, me teria sido ensinado o valor do amor. Entretanto, as pessoas que me cuidam contam o valor do amor em moedas de ouro. Não quero isso.”
“Achei que se você crescesse com melhores condições, estaria lhe poupando de uma vida de amargura, mas estava errada. Estas donzelas atenderam o meu pedido por que era puro, mas agora vejo que foi egoísmo da minha parte privá-lo da vida que você merece. O seu desejo será realizado. Corra para os moinhos de vento, Dinorah estará colhendo flores. Ela será seu grande amor.”
“E quanto a você, minha mãe?"
"Eu voltarei para o dia em que pedi pela sua felicidade e ficarei por lá, vagando, a espera de que você a encontre sem mim.”


Quando o terceiro sol se pôs, Dinorah colhia flores dentre os moinhos e Kazin olhou fundo nos olhos da moça. Havia algo de puro, algo de belo e algo de anjo em tudo o que ela fazia. Kazin ajoelhou-se e chorou para os céus, porque sabia que havia encontrado a pessoa certa.


Nenhum comentário:

Postar um comentário