sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Víbora


Não sei mais como me sinto. Seu olhar me reconforta e me engana. Tudo se misturou completamente em um caldeirão de imaginários. Juro que tentei ao máximo.

Minha pequenina, teria sido bem melhor se você tivesse me contado tudo.

Quero começar pelo começo mas não sei onde ele fica. Talvez em um ônibus esmeralda a caminho de uma pizzaria qualquer, acompanhado de um maestro, que eu pensava fortemente ser seu amor, uma aprendiz que sibilava desde aquele tempo longínquo e um astro genial que insistia em me imitar. Você me olhou sorrindo e depois disse algo que não absorvi pois estava encantado com seu olhar, o primeiro dos transes.

Pensava em como um ser superior criara tal cor: Bronze, mel, cobre, caramelo, amêndoa, ouro, pinho, carvalho, orvalho. Misto sublime, moeda viradoura, relógio diário, tique taque, hipnotizado.

Um marco grande, pelo menos penso eu, fui a honra de lhe oferecer uma nomenclatura, alcunha carregada a todo momento. Morro de vergonha e saudade desse dia, eu parei na primeira loja e fiquei horas olhando uma parede até decidir o que fazer. Depois, bem depois, sentei em minha cama, abracei meus joelhos, comecei a sonhar com você e uma lágrima escorreu. Rapidamente a sequei e neguei que isso tinha acontecido, não era pra ter acontecido, eu percebia que estava preso, havia caído na armadilha mais sórdida do destino.

Lembro daquela seção onde você chorou de emoção, e mesmo estando ao meu lado, negava com todas as forças, você estava tão linda.

O bosque foi memorável, felicidade estupenda ao te ver rindo a todo momento, coisa que de uns tempos pra cá tem se tornado rara, pro meu desespero. Você subia pela floresta, conversava alegremente. Suas feições majestosas. Acho que foi nesse dia que eu finalmente notei que não havia mais volta, que você já era mais importante que todos, que não poderia mais ignorar isso sem temer a solidão eterna. Minha mente estava girando.

O primeiro impacto de real sofrimento se deu naquela fatídica noite. Ele precisava de mim. Eu queria tanto que ele precisasse. Mas meias verdades foram ditas, e quando finalmente descobri tudo já era tarde de mais, o estrago já estava feito.

Entenda que eu não te culpo, nem a ele, por não terem falado nada, por terem escondido o que eu não queria ver. Vocês não tinham esse dever. A culpa é minha e só minha. Eu que não agi como deveria. Não fui certo em minhas escolhas. Não joguei direito. Pra que serve um amigo se ele não concilia situações perfeitamente. Pra que eu sirvo. Não sei.
Parei de girar e agora me vem a tontura. Eu não sei mais o que quero exatamente, só sei que você se faz prioridade em todo lugar.

Resumo da ópera? Eu sou um bobo que não percebe nada, ingênuo de mais. Chegaste como uma cobra, rastejando pelos cantos. Malevolente. Cheia de má vontade. Me picou enquanto dormia. O veneno fraco e lento agiu aos poucos. Se espalhou por todo o sistema nervoso me impossibilitando de percebê-lo. Me dei conta da minha situação quando meus membros já não funcionavam corretamente, quando as alucinações infestaram a minha mente, poder subconsciente. Sua força já era incomparável, meu ser não tinha mais nenhuma defesa. Ele não tem mais sanidade. Ele não tem mais vida. Ele não tem você.

Eu só queria que tudo isso fosse um sonho. Que você fosse um equívoco.


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