Nada se via naquele local aconchegante. Sentiam-se apenas movimentos bruscos e desnorteados. Uma criatura se debatia constantemente, ateando um certo incômodo ao seu semelhante. Eu sempre tive o pesar de ser obrigado a assistir àquelas cenas sangrentas, e o pior de tudo, é que eu fazia parte do maldito contrato.
É frustante saber que uma criatura tão frágil e dócil, um dia há de se tornar um ser asqueroso e repugnante. Por que a criatura tinha menos de um ano de conforto, e uma existência inteira de angústia? Nunca consegui achar sentido no meu trabalho, até que um dia, eu o conheci.
Confesso que quando o vi pela primeira vez, uma súbita alegria me banhou. Você irradiava uma aura que iluminava tudo ao seu redor. Apesar da estranha macrocefalia, sua cútis rosada me lembrava do tempo em que eu era livre de meu fardo.
Com essa estranha situação, eu me via agonizando. Como é que eu conseguiria dar-lhe o amaldiçoado contrato? Como é que eu poderia causar-lhe tanta dor e sofrimento? Mas infelizmente, não tive escolha. Você o assinou, ansioso e curioso pelo tempo que viria.
E hoje, novamente estou aqui ao seu lado. Sua anima de certo perdeu o brilho de quando você nasceu. Isso é óbvio. Passou inteiramente junto daqueles seres nojentos e retrógrados, e acabou perdendo seu propósito.
Não lhe falo de pecados porque a mim não pertencem a autoria. Mas posso citar todos os seus desvios que o levaram até o mesmo fim trágico de todos os seres da sua espécie, se é que eu posso chamá-los de espécie...
Ignorante, alienador, adúltero, preconceituoso, consumista, machista e o mais grave de todos, faltoso com o amor. Eu paro por aqui, para não ter que me decepcionar mais com você.
Contudo, já que foi o único que me despertou interesse, sinto que lhe devo algumas explicações, que os seus iguais se matariam para obter.
Com certeza em algum momento da sua vida você ouviu sobre mim. Todos no seu mundo me temem, e indiferentemente, você também. Eu ganhei o horrível apelido de "Morte".
Na infância, os "humanos" se acham os donos da verdade, livres de qualquer sofrimento, eternos e para sempre felizes. Não me preocupo em generalizar, pois vocês não merecem o meu respeito. Continuando, jovens apenas anseiam pela fase adulta, cheia de usurpações e libertinagens. Contudo ao chegar nela, se queixam de estarem próximos de mim, ou seja, reclamam do fim da validade do contrato que fizeram com imensa satisfação.
Hipócritas. Egoístas. Controladores. É isso que vocês representam para mim. Nada além do que foi dito aqui, pode ser atribuido à sua "espécie".
E para finalizar, você pode estar pensando... Quem é esse ser que me julga e recrimina?
Bom, eu não costumo fazer desfeitas. Prazer, me chamo "Vida".
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