quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Laranjas ou bananas







O que eu to fazendo aqui? Foi pra satisfazer a vontade do meu primo que ta fazendo aniversário? Não. Eu nunca me importei com o que ele queria nem com o que ele pensa de mim. Não é má pessoa, mas eu não consigo suportar toda a natureza animada e eufórica que ele tem, como se tudo estivesse nas melhores condições possíveis. Como se o mundo não tivesse problemas... De qualquer forma, mesmo que eu tenha uma visão do mundo muito mais realista, eu evito ser rude com ele. Mas não quer dizer que eu não o ignore. E com certeza eu ignoraria essa festa.
Ah! Agora eu lembro porque estou aqui. Meus pais me forçaram. Usando um método que adultos normalmente utilizam apenas com crianças: chantagem. Para dar prosseguimento aos meus projetos pessoais, necessito do generoso dinheiro da mesada, e não estou disposta a paralisá-los. É um sacrifício necessário. Mas talvez eu mereça estar aqui com essa gente, afinal de contas eu cedi à psicologia deles. Acho que mereço essa punição por ter sido fraco: participar da social asquerosa dentro de uma boate cheia de jovens embriagados que não sabem até onde vai a extensão de seu próprio corpo nesse amontoado de pessoas dançando como animais no cio. Não, eu me enganei. Animais no cio conseguem manter uma elegância maior.
Desde o instante que cruzei a porta de entrada da boate soube que manter meus sentidos sóbrios seria uma tarefa árdua. Mesmo que eu evite qualquer substância que macule capacidade de discernimento e de controle emocional. Eu vi um adolescente confundindo um poste de luz com um pirulito gigante. Eu tenho a suspeita de que a minha resistência não é suficiente para sustentar o mínimo teor alcoólico, então me parece sábio evitar o bar. Felizmente esta não é uma tarefa difícil, o que é difícil é evitar os focos de fumaça da queima de erva. Podem pensar que sou antissocial, mas quando fui apresentado aos amigos e amigas do meu primo e a combinação de olhos vermelhos e fumaça se voltou pra mim, eu tive que me distanciar. Fumar passivamente já é desagradável o suficiente pra mim.
Consegui encontrar um canto quieto na boate, debaixo da escada para o segundo andar. Sem cadeiras, pessoas ou fumaça. O motivo é porque é exatamente aqui onde todos jogam os guardanapos usados, copos descartáveis e bitucas de cigarro. Parece poético ficar junto do lixo dessas pessoas.
Eu só queria poder dar prosseguimento ao meu processo de pintura. Mas esse evento acabou estragando tudo. Odeio deixar um trabalho pela metade. Mas vou tentar olhar pelo lado bom, faltam só algumas horas para que eu volte de carona com o meu primo pra casa e tenha meu descanso merecido. Se eu conseguir me manter afastada dessa bagunça (e não me refiro ao lixo no cantinho no chão), acho que consigo sobreviver. Ah, não! Um dos amigos dele acabou de me achar e tá trazendo dois copos de cerveja.
Lá vem cantada.
Que saco... Logo no momento em que começo a perceber que o padrão das luzes coloridas poderia ser um ótimo acréscimo à minha pintura. Talvez não diretamente, não sei explicar... Mas era uma ótima inspiração. De repente, ideias começaram a pipocar em minha mente.
— Ei — o tal cara me chamou. Parecia ter feito isso várias vezes antes, então supus que acabei viajando em pensamentos.
— O que você quer? — perguntei com rispidez. Minha paciência já estava no limite desde o momento em que fui obrigada a pôr os pés naquela boate.
— Eita, moça... — assustou-se. No entanto, pouquíssimo tempo depois um sorriso divertido já havia surgido em seu rosto. — Só vim oferecer uma bebida.
¾ Eu não bebo — resmunguei. O outro fez expressão de quem não havia entendido, então elevei a voz para que pudesse me escutar apesar da música alta. ¾ Eu não bebo ¾ repeti.
O moreno, ao entender a minha resposta, franziu o cenho em uma expressão perdida. Ergui as sobrancelhas, entendendo que ele não tinha mais nenhuma desculpa para falar comigo. Senti-me segura por alguns segundos.
A música mudou e a expressão dele tornou a se iluminar. Voltei a me irritar, sabendo que vinha por aí mais uma de suas tentativas de querer se aproximar.
¾ Nossa, essa música é demais ¾ comentou, sorrindo. Dei de ombros, mostrando pouco me importar. ¾ Por que não dança comigo?
¾ Não tô a fim — respondi, sem enrolar.
E ainda tentou falar mais alguma coisa para me convencer, mas, bufando, decidi dar um basta nisso...
¾ Sinto muito, mas minha fruta é outra.
... Ou o que eu achei que seria um basta.
O homem riu muito, gargalhou. Já eu, não via graça nenhuma. Rolei os olhos, já me preparando para as idiotices que viriam a seguir. Tentava adivinhar; será que ele diria "Ah, isso é porque você ainda não provou da minha fruta..."? Até poderia ser cômico, se não fosse tão escroto.
¾ Não me interessa se gosta de laranjas ou bananas — retrucou. Franzi o cenho por um momento, até entender; ele realmente não acreditava no que eu havia dito.
Notei que tentaria me puxar para a pista de dança, então logo afastei-me de sua mão. Ele se sobressaltou, com uma expressão cínica, de falsa inocência.
¾ Qual é, cara... — deixei que continuasse apenas por curiosidade em saber o que diria. Também não queria ser precipitada. ¾ Você sabe que isso é besteira, né? Vem cá que a gente dá um jeito nisso...
¾ Meu Deus, qual o seu problema? — finalmente explodi, interrompendo-o, os pelos da nuca se eriçando de raiva enquanto eu gritava ainda mais alto que o necessário para me fazer ser ouvida. Continuei. ¾ Quando uma mulher, ou qualquer um, diz "não", então é não.
¾ Fala sério...
Tentou encostar em mim de novo e, rapidamente, retirei meu braço de sua trajetória, enojada pelas palavras de antes. Vi que em seus olhos já havia brotado um sentimento de irritação – como se ele tivesse razão para tal. Quem deveria estar irritada ali era eu; e eu estava. Frustrada. Cansada das mesmas frases ridículas e sem noção.
¾ Não encosta em mim — alertei-o, notando mais uma tentativa de aproximação. Ignorei sua cara de deboche. ¾ Não vou hesitar em fazer um escândalo.
¾ Não precisava inventar historinha — argumentou, com raiva. Ergui uma sobrancelha, contendo uma risada sarcástica ao perceber que tentava sair como "vítima" da situação. — Era só dizer não.
Não me dei nem ao trabalho de contesta-lo e dizer que aquilo não era historinha nenhuma – ou que eu havia, sim, dito "não" e várias vezes. Se era tão difícil assim aceitar que eu preferia mulheres a ele, não seria eu que iria fazê-lo mudar de opinião com apenas uma conversa.
Quando o cara finalmente se afastou, tive vontade de ir embora dali; não queria ter de passar por qualquer outra situação parecida. Mas não poderia. Seria como entregar os pontos quando, na verdade, eu quem havia vencido a batalha.
Não mesmo. Preferia ficar ali no meu cantinho, mostrando que ninguém tiraria o meu direito de estar onde queria estar – ou, no caso, quase isso – ou de ser quem eu queria ser.  
 

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