terça-feira, 21 de abril de 2015

O Que não é: Hamkoff


- Vamos lá crianças, não podemos perder mais tempo!
- Rápido Jonas!
Sério? Meu pai inventou este passeio ridículo pra essa cidade abandonada. Por que eu pareço o único que não está empolgado com isso. Meu irmão está agitado desde ontem, e eu realmente não vejo o porquê. Meu pai já me levou lá quando eu tinha 5 anos. Ele ficou umas duas semanas falando que a gente ia, e quando finalmente fomos, eu fiquei muito desapontado. É só um grande campo coberto de neve e ruínas do que um dia já foi um vilarejo.
- Jonas, nós vamos chegar atrasados! – meu irmão realmente estava começando a me irritar.
- Rafa, deixa eu te contar um segredo... – Ele chegou mais perto da minha boca, esperando ouvir algo interessante – Não vai ter ninguém lá. Sem fila de espera. Não precisamos correr.
Ele olhou pra mim com uma cara que dizia “Deixa de ser chato” e desceu as escadas me puxando violentamente.
Quando entramos no carro, meu pai começou a recontar a velha história da cidade de Hamkoff, onde estávamos indo:
-... As pessoas viviam tristes, fazia muito calor. Um dia, misteriosamente, começou a nevar, e a cidade virou uma grande pista de patinação de gelo. As pessoas patinavam toda hora e viviam felizes e sorridentes.
- E o que aconteceu pai?
Meu irmão realmente estava dando ouvidos ao velho.
- Depois de um ano, as pessoas perceberam que não faziam nada além de patinar e patinar. Não comiam, nem dormiam... Estavam hipnotizados, mas felizes. O problema é que quando não se come nem faz as necessidades para regular o corpo direitinho, as pessoas começam a passar mal. Ficaram quase todas doentes. Mas ainda assim estavam patinando felizes. A primeira pessoa a morrer foi uma senhorinha, morreu com um sorriso enorme no rosto. Não houve velório, as pessoas passavam por seu corpo jogado na pista e sorriam por ver a cara alegre e sem vida da senhora. Pouco a pouco, a cidade inteira começou a morrer, felizes da vida... Ou da morte. Até que não sobrou ninguém.
Quanta besteira.
- E a cidade é cheia de esqueletos pai?
- Claro que não. As pessoas morriam tão felizes e com uma alma tão alegre, que subiam aos céus, virando estrelas.
- Jura pai?
Ah, que saco. Será que ele não entendeu que é tudo uma historinha sem graça?
- Jonas... Você viu as estrelas quando foi lá?
- Não Rafa. Não tinha nada.
Meu pai olhou pra mim com reprovação.
Depois de um bom tempo no carro, finalmente chegamos a cidade de Hamkoff. Meu irmão desceu do carro as pressas para ver as estrelas.
Porém, assim que saiu do carro, fez a mesma cara que eu tinha feito há doze anos atrás. Cara de quem estava tomando um picolé na praia até que o sol veio e jogou tudo no chão.
- Onde estão as estrelas pai?
- Ali meu filho! – meu pai apontou pra um lugar qualquer no céu.
Eu pensei que havíamos desperdiçado a noite, quando uma garota realmente bonita chegou perto de mim enquanto meu pai mostrava a cidade pra Rafael.
- Oi. Você é novo por aqui?
- Sim. Meu nome é Jonas.
- Eu me chamo Alice. Você  está afim de patinar um pouco?
- Ah, claro.
A garota então pegou dois pares de patins e entregou um a mim. Depois de um tempo patinando, me surgiu uma dúvida.
- Você está sozinha?
- Não. Estou com você.
- Ah... Você é de onde?
- Lá de cima.
- Do norte? Tipo Canadá?
- Não. Eu vim lá de cima mesmo. – a garota apontou para o céu escuro. Eu estava começando a me assustar. Espera aí? Escuro?! A gente chegou a tarde.
Eu procurei meu pai e meu irmão com os olhos e não achei. Onde estavam?
Pensei em sair e procurar, já deviam ter passado horas. Estava quase amanhecendo de novo. Por que eu não sentia vontade de sair?! Por que aquilo era tão bom?
Eu acho que fiquei anos por ali. Até ver Alice sumir do nada. Mas eu continuava feliz. Me sentia incrivelmente feliz.

Não notei quando a fome começou. E nem quando meus pés saíram do chão.


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