sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

O Verme Assassino da Mongólia

 





‒ Você tem vinte minutos da minha vida pra desperdiçar. Depois que isso acabar, não importa mais quanto dinheiro tenha trazido com você, eu não vou mais te dar atenção e você cai fora da minha casa. – avisou a figura estranha que me recebia em sua casa
Seu nome é George Torres. Era um criptozoologista promissor na década de 80. Viajou o mundo buscando por provas de existências de criaturas mitológicas, lendárias e folclóricas. Foi aclamado por grupos da área e chegou a publicar diversos artigos para revistas do assunto. Fora desse mundo, ele era só mais uma pessoa qualquer. Seus talentos nunca chegaram a expô-lo o suficiente para aparecer em programas de televisão, jornais ou concorrer a cargos políticos. E agora, ele conseguiu se afastar mais ainda de qualquer mídia. Seu nome atualmente mal é mencionado ou reconhecido pelos grandes da área. Talvez eu consiga mudar isso.
‒ Como eu estava para dizer, senhor, pode me chamar de Thomas. Eu e um grupo de amigos decidimos cair de cabeça nesse mundo da criptozoologia depois de algumas experiências inexplicáveis num acampamento que fizemos há alguns meses... – comecei a me apresentar enquanto buscava um canto menos imundo e no sofá para sentar
‒ Então você é novo nessa área? – perguntou o velho – Então já te adianto a próxima coisa que deve fazer: desistir. Não vale a pena. – zombou ele – Não sei que diabos de "experiências" você e seus amigos tiveram, mas deve ter sido só um surto coletivo ou o efeito de drogas. Sempre é algo assim.
O velho me recebera em sua casa depois de eu insistentemente bater à sua porta. Sua casa ficava muito afastada numa cidade do interior, não foi nada fácil achá-lo, e como já tinha me esforçado demais para chegar até aqui, não poderia sair de mãos vazias. Então ele só me recebeu depois de eu entregar algum dinheiro pedindo por uma breve entrevista. Acredito que alguém que despontou tanto em sua época possa compartilhar várias informações importantes com um novato como eu. E, mesmo que ele seja alguém tão desagradável quanto parece ser, eu não vou recuar e só vou sair daqui quando tiver conseguido uma boa indicação de por onde começar minhas buscas.
É difícil entender as emoções dele. A sala de sua casa é extremamente escura. Só temos a iluminação de uma antiga televisão de tubo passando algum programa de auditório. Mal consigo ver seu rosto, mas consegui perceber, que para a minha surpresa, ele está sentado em uma cadeira de rodas. Será que a paralisação em seu trabalho é devida a ele ter ficado paraplégico? Deve ter sido algo muito marcante para viver recluso no meio do mato numa casa velha e com mais lixo espalhado do que móveis.
‒ Entendo que não queira saber da minha vida, mas deve entender que eu estou bastante interessado na sua. – Joguei a isca – Poderia me contar o que fez com que você se afastasse do ramo? Você foi bastante famoso na sua época, eu realmente me pergunto o que pode ter acontecido? Ou então gostaria de saber se poderia compartilhar qualquer informação ou história valiosa...
‒ Quer saber o que aconteceu, garoto? – andou com a cadeira para frente e tirou o cobertor que supostamente cobriria suas pernas, mas não havia pernas ali.
Ele inclinou seu corpo para frente revelando sobre o reflexo da televisão um rosto marcado de cicatrizes e olheiras. Aparentemente só a memória do que o que lhe causara aquilo já o fazia liberar adrenalina e suar. Seus olhos não piscavam e sua boca tremia como a de um psicopata prestes a atacar uma vítima.
‒ Foi o Verme assassino da Mongólia! Ele acabou comigo, se é o que quer saber! – esbravejou quase caindo da cadeira de rodas
‒ Eu já ouvi falar dessa criatura... Se não me engano, foi esse que Ivan Mackerle procurou incansavelmente nos anos 90 pelo deserto de Gobi. – comentei
‒ Ivan Mackerle, aquele idiota. Quem você acha que avisou a ele sobre o Verme? Ele nem mesmo conseguiu provar a existência da criatura, mas ainda propôs que fosse apenas imaginação dos locais, e ainda garantiu um bocado de fama com as expedições que fez. Aquele sortudo desgraçado... Tudo graças a mim, eu digo! Eu também não tenho provas, mas tenho cicatrizes maiores que as dele, com certeza.
Eu pedi a George que me contasse mais detalhes sobre o acontecimento com o Verme Assassino e a história inteira foi contada sem delongas. O assunto com certeza ativara sentimentos muito profundos e mal trabalhados nele. "O Verme Assassino da Mongólia é uma criatura forte, maior que um metro de altura e de coloração vermelha como sangue. Possui uma boca e dezenas de dentes enormes e afiados. Ele pode parecer inofensivo ao descrevê-lo assim, mas de perto é uma criatura tenebrosa" começou falando sobre o monstro.
‒ Ouvi pelos boatos que correm sobre o monstro que ele também é capaz de soltar ácido pela boca e descarregar pequenas correntes elétricas... – Tentei complementar seu argumento
‒ Boatos? É pura verdade. Verdade que eu mesmo verifiquei na pele! Como acha que um simples bicho daqueles acabaria fazendo isso?! – ele apontava para as pernas e gesticulava com energia e rancor em seus olhos – E não só isso, era ágil como um guepardo, mesmo que apenas rastejasse. Ainda conseguia saltar e desviar de qualquer ataque nosso. Foi um dia terrível...
O rancor e o ódio o deixaram por um momento dando lugar ao medo e ao trauma. Ficou ali calado por alguns segundos até recobrar os pensamentos e retornar a compostura. Então ele começou "O deserto de Gobi fica Ásia, dividido pela China e a Mongólia. Uma terra gigante e inútil nesse mundo, onde a sobrevivência é difícil. As temperaturas variam rapidamente do dia pra noite e chegam a extremos nas estações de Verão e Inverno... Foi um grande erro termos ido lá." Ele parou mais uma vez para respirar.
"Éramos um grupo bem grande naquela época, por volta de cinquenta pessoas. Criptozoologistas fazendo o que sabem fazer, escritores buscando inspiração, aventureiros buscando uma nova jornada para se lembrarem no futuro, um ou dois pesquisadores com o intuito de catalogar essa espécie que procurávamos e alguns locais pra nos guiarem e tirarem dos apertos. Naquela época só eu e mais dois amigos fomos capazes de reunir todas essas pessoas para a caravana. Eram todos amigos e colegas... A maior parte só se divertindo nas férias." Parou dessa vez para beber alguma bebida alcoólica que não consegui identificar. "Saímos em algumas caminhonetes para evitar desgaste desnecessário e garantir que tivéssemos alguma comodidade. Íamos e voltávamos para a cidade mais próxima depois de alguns poucos dias para nos reabastecer. Passamos duas semanas lá sem encontrar nada. Três deles não resistiram ao calor e morreram um a um. Não conseguimos deixar os corpos deles para trás no meio do deserto, então decidimos carregá-los conosco até voltarmos a cidade e enterrá-lo dignamente. Mas um dia que estava especialmente quente, no meio da terceira semana que estávamos lá, morreu o quarto companheiro daquela jornada. Mas naquele dia não voltamos. Não voltamos porque estávamos cansados daquilo nunca chegar ao fim e  também éramos teimosos demais para desistir, e acho que esse foi o nosso erro. Então, quando já quase dávamos meia volta, encontramos, o que pareceu um milagre naquele momento, uma espécie de oásis. Corremos em sua direção e começamos a nos banhar, mas não demorou para que a nossa festa terminasse. Um dos guias notou algo de estranho naquele lugar. Ele encontrou pequenos animais mortos com o sangue já seco, mas não foram mortos por uma ferida banal, mas sim cheios de buracos espalhados pelo seu corpo. Buracos em que você podia facilmente olhar para o horizonte por entre eles sem ser atrapalhado. Não eram meros furos... Eram buracos grandes e inúmeros".
Parou para mais um gole e retomou "Logo depois notamos que o sintoma não se repetia apenas nos poucos animais que já viveram ali, mas nas árvores também. O guia tentou nos afugentar o mais rápido possível, mas a alegria por termos encontrado algo novo nos cegou tempo o bastante para encontrarmos o que realmente queríamos. Um de nós caiu no chão gritando e tremendo, a criatura horrorosa saltou da areia em cima dele e começou a devorá-lo. Cuspia e babava sobre ele. No mesmo instante sua pele e músculos se dissolviam, e então o verme furava seu corpo e se arrastava por dentro dele devorando tudo que via pela frente. Em poucos segundos ele estava tão esburacado quanto qualquer um ali estaria logo, logo. Foi uma chacina. Alguns de nós tínhamos armas, mas nenhuma conseguiu sequer raspar nele. Um a um fomos caindo. Não houve clemência vinda de um ser tão monstruoso. Eu e os guias fomos mais espertos e corremos sem pensar para os carros, mas a fatiga me alcançara antes. Meus pés tropeçavam uns nos outros e fui de encontro ao chão na metade do caminho. Foi então quando o verme assassino me mirou. Como um raio ele se disparou em cima das minhas pernas. Me atacando com choques, ácido e dentes. A dor era insuportável, e eu achei que era meu fim. Por muita sorte um dos guias se compadeceu e veio ao meu socorro. Atirou em minhas pernas soltando-as finalmente de meu corpo e assustando o verme. Ele me carregou até um carro onde outro guia já esperava e juntos fugimos. Chegando na cidade recebi a assistência médica necessária e dias depois voltei para casa. Não tive coragem de falar com a família de nenhum daqueles homens da caravana. E naquela noite o verme teve uma bela janta". Finalmente terminou seu relato. Eu estava surpreso com o relato.
‒ Acredito que o verme tenha surgido por causa do corpo que carregávamos... Ele, mesmo que cego, parecia ter ótimos sentidos. – Respirou profundamente mais uma vez. Agora ele voltava ao presente e me encarava novamente – Agora já basta. Não me importa se já passou seu tempo ou não... Não quero mais você nessa casa, moleque. Vá embora antes que eu chame a polícia.
Saí sem causar problemas, afinal já tinha conseguido o suficiente. Enquanto saio da propriedade e sigo em direção á rodoviária, pego meu celular e disco para um de meus amigos que agora compartilham da minha mesma ambição.
‒ Oi, aqui é o Thomas. Descobri como podemos encontrar um dos que procuramos. Mas se prepara, vai ser longe e nada agradável.
 

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